domingo, 28 de setembro de 2014

O que é que eu estou fazendo aqui?

Tem sempre uma hora em todo festival em que você questiona o que está fazendo naquela cadeira, apertando um botãozinho por dez horas, ocasionalmente mais. Parece uma ocupação um tanto absurda e primitiva. Numa era em que todo mundo pode se comunicar instantaneamente através de smartphones, condensar bibliotecas inteiras em e-readers e se conectar com a internet sem um único fio, porque é que a gente não pode achar um meio mais eficiente de passar legendas num filme? É simples. Se algo der errado, você pode se adaptar às circunstâncias. E tem uma adrenalina e um suspense em não saber o que vem por aí, se o filme está batendo com a legenda, Tem um lance de montanha russa. Dá-se a partida e você segue junto com o filme, uma hora acertando o fluxo do filme, outras horas perdendo a sintonia e em seguida conseguindo retomar o ritmo. E quando a tradução está super redonda, você mal precisa pensar, o dedo vai batendo as legendas praticamente no instinto, sem efetivamente focar no texto, mas no ritmo das falas.E quando você não tem legendas em inglês queimadas na cópia para te ajudar, o desafio é maior, mas é legal sentir que você consegue dar conta. Quando não pude fazer o Festival em 2012 por causa do emprego, foi horrível ver a troca de e-mails contando das peripécias dos lançadores. Espero poder tacar legendas por muito tempo ainda. Está ficando fisicamente mais desgastante, você acaba o dia de 10, 12 horas de trabalho mais moída do que antes. Talvez chegue o dia em que eu pare de perseguir o recorde e só faça duas ou três sessões por dia como fazia na Mostra de São Paulo (como sinto saudade da Mostra). Mas por enquanto, vamos continuar apertando um botãozinho no escuro.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Preparando para a guerra

O período entre o leilão de sessões e o momento em que você senta a bunda na poltrona do cinema para a sua primeira sessão é sempre um momento de fazer preparativos de guerra. Basicamente vou desaparecer dentro de uma sala de cinema e só sair duas semanas depois. Então há sempre uma correria de última hora para abastecer a geladeira de comida pronta, comprar muita ração para os cães, não esquecer de comprar papel higiênico e Omo. Porque vou usar cada peça de roupa que tenho no armário, mesmo aquelas camisas que tem furos ou faltam um botão porque chega uma hora em que eu me toco que não tive tempo para lavar roupa e tudo o mais está suado e amassado na cesta de roupa suja. E aí os vizinhos querem te matar porque você está centrifugando roupa às três da manhã. E rapidamente descobri na casa nova que não existe isso de entrar em casa discretamente às altas horas porque o raio do cachorro do andar de baixo late até para baratas passando lá fora na vila. Geralmente é o momento para tosar o cabelo porque você vê que está muito cabeluda e não quer pensar em como vai se pentear pelas próximas duas semanas. Você vê se tem pilhas para a lanterna (afinal de contas, você está trabalhando num cinema escuro), se o guarda-chuva está na mochila, se não esqueceu de buscar seu crachá (que felizmente não tem uma foto horrenda, ao contrário do crachá da Mostra de São Paulo) e que o pen drive está contigo. Você compra biscoitos de cachorro para dar como uma pobre compensação para os seus peludos que vão ficar largados em casa o dia todo. Você chega, cai dura na cama, acorda cedo, trabalha furiosamente para fechar sei lá o que e sai voando para mais uma sessão e vai ser isso até o fim do festival. Os coitados ficam meio carentes.
Isso sem falar que você está voando baixo para fechar os filmes que está traduzindo e se toca que pegou filmes demais de novo para o tempo que tem. Mas compromisso é compromisso e você vira noites para entregar o trabalho.
E por último, geralmente na véspera, preencho um caderninho com as sessões de cada dia, horários, cinema, duração. É uma maneira de guardar onde vou estar a cada dia. E sempre anoto o dia da semana porque inevitavelmente você perde a noção do tempo quando sua vida vira uma sala de cinema, um laptop e apertar um botão.
A guerra vai começar. Temos de chegar vivos do outro lado.

domingo, 21 de setembro de 2014

E foi dada a partida

Neste sábado tivemos o tradicional leilão de sessões do Festival do Rio em um local e horário nada tradicionais. Dessa vez nós, legendistas intrépidos, nos reunimos num terraço em Botafogo cedido pela Bruna, a dublê de legendas mais constante de todos os festivais. E por esse motivo tivemos o prazer da companhia de seus lindos cães, Bruno e Pink. (É claro que eles queriam comer nossos salgadinhos, mas vamos relevar esse fato.) Para mim, eles são os novos mascotes do Fest-Rio. Tivemos que levantar acampamento na correria quando começou a chover, mas foi uma oportunidade para descobrir quantos lançadores podem caber em um quarto com cadeiras e laptops.É um bom número, acredite. E ainda couberam os cachorros. Conseguimos até terminar o leilão todo em menos tempo do que o previsto, o que foi ótimo. Não consegui quebrar o meu recorde, mas quem sabe no ano que vem.
Também já começou a metralhadora de e-mails. Até terminar o festival, todo mundo vai ficar de olho na caixa de entrada 24 horas por dia. O que eu mais gosto são aquelas trocas de e-mails de madrugada. É três da manhã e todo mundo responde a uma dúvida de tradução porque está todo mundo acordado, virando a noite para terminar os filmes. É a confraria dos insones. São só duas semanas, mas vale a pena pela adrenalina. 

sábado, 24 de maio de 2014

Fifty-fifty

Vou fazer 50 anos dentro de dois meses. Isso para mim é um pouco surreal. Não porque eu esteja tendo um treco por enfim chegar aos 50. Na prática, na minha cabeça, minha idade sempre foi uma coisa meio abstrata. Fora o fato de eu não ter mais o corpo escultural que tinha antigamente, minha cabeça ainda me diz que tenho uns 30 anos. Embora desconfie que me comporto mais como quem tem 14 volta e meia.
Eu entendo que as pessoas têm medo da morte. Eu também tenho. E enfrentei uma morte na família no início do ano. Mas eu tenho mais medo da doença e de ficar debilitada a ponto de precisar dos outros. Também já vi o que isso causa. 
Chegar aos 40 me fez perceber que eu tinha adquirido alguma maturidade, o que no meu caso é quase um milagre. Ainda estou avaliando o que chegar aos 50 significa. Mas acho que tem a ver com uma certa tranquilidade. Não se precipitar tanto, não tomar decisões impulsivas, não entrar em pânico com a mesma facilidade de antes. E, afinal, acho que estou adquirindo coragem para me jogar sem ter uma rede de segurança.
Nunca fui uma pessoa ousada, sempre quis ter certeza do próximo passo que estava dando. Minha mãe diz que eu não era a filha que dava trabalho, meus irmãos sim. Eu era bem comportada, fazia o que tinha de fazer, segui a cartilha direitinho de fazer faculdade, arrumar emprego, conseguir me sustentar. Nunca fui de me arriscar como meus irmãos.
Mas em um ano tomei duas decisões arriscadas. Mudei de apartamento sem ter certeza se podia pagar o aluguel que estavam me pedindo e deixei a Lersch para voltar a ser freela. Morri de medo nas duas vezes, mas segui em frente. Isso tem a ver com chegar aos 50? Ou tem mais a ver com uma insatisfação com a forma como minha vida vinha se desenrolando? Não faço ideia, mas tudo bem, estou tranquila.

domingo, 11 de maio de 2014

Um grande luxo

Sou freelancer de novo há apenas uma semana e já estou de novo naquele ritmo maluco de trabalho, com um trabalho entrando atrás do outro. Não sabia o quanto sentia falta disso. Na sexta, me dei um grande luxo, saí para almoçar e fazer compras no meio do dia. Foi uma delícia. Para quem só conseguia tempo para fazer as coisas de noite, sair no meio do dia tem um gosto inevitável de liberdade. Comecei minha vida de freela em maio de 1994. Voltar a trabalhar num escritório foi difícil para mim. Não pelo trabalho em si ou pelas pessoas com quem trabalhei, mas por me sentir presa. Foram dois anos difíceis e quando usei minhas férias ano passado para trabalhar no Fest-Rio, senti esse gostinho de ser freela por um mês de novo. E foi difícil voltar ao trabalho. Difícil ter de enfrentar um metrô lotado todo dia. Ter um horário rígido. Foi um pouco que nem voltar para a casa da mamãe depois de ser independente por tanto tempo. Aprendi muito e realmente não teria aprendido tudo aquilo se não tivesse a experiência desses dois anos, mas meu temperamento há muito tempo não cabe mais em um emprego fixo. Tendo trabalho entrando constantemente, estou perfeitamente feliz em ficar em casa, de short e camiseta, descalça, com um cachorro roncando atrás da minha cadeira. Era tudo o que eu queria.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Clark Kent tirou o paletó

É, Clark Kent tirou o paletó, voltou a calçar havaianas. Eu aprendi muito na Lersch e foi uma época com muitas lições, mas apareceu uma chance para eu voltar a trabalhar em casa e decidi aceitá-la. Estava sentindo muita falta da minha liberdade. E a verdade é que fica muito difícil fazer trabalhos avulsos de qualidade quando você chega morta em casa. E depois que me mudei para Benfica, ter de enfrentar o metrô todo dia era sinceramente um teste de paciência e resistência. Não sei como as pessoas conseguem enfrentar esse esquema de sardinha ano após ano. Eu mal consegui aguentar isso por um ano. 
Tudo bem, vou voltar para a incerteza de ser freelancer, mas vou ter minha liberdade de volta. Precisava ter minha liberdade de novo. Mesmo. Depois eu conto mais.