sábado, 27 de março de 2010

Infância

Mais um trecho do meu romance O Que Ficou Por Fazer:

Quando eu era criança, a felicidade podia ser encontrada em algo tão simples quanto uma barra de chocolate, um picolé. Lembro-me de descer correndo as escadas com uma nota de um cruzeiro na mão, atravessar a rua e comprar um picolé com o sorveteiro da esquina. O nome dele era Milton e bastava ele me ver chegando para já ir estendendo um Chicabon em minha direção. Não sei por que ainda guardo o nome dele quando agora pareço ser incapaz de lembrar o nome do garçom do restaurante da esquina aonde vou quase todo dia.

Se tinha acabado o Chicabon, também havia o Eskibon (se Graça é viciada em Coca-Cola, eu sou tarado por chocolate em todas as suas formas) e se eu tinha alguns trocados sobrando, comprava chiclete. Sabor tutti-frutti, naturalmente. Milton conhecia todas as minhas preferências, sempre me atendia com um sorriso. Muitos anos depois, eu o vi trabalhando como cobrador em um ônibus. Ele já não sorria mais e não reconheceu seu cliente mais fiel.

Quando você é criança, a felicidade reside na satisfação de dar a primeira mordida no picolé de chocolate, em conseguir fazer uma bola de chiclete, em ganhar do Papai Noel aquela roupa de Batman que você tanto queria. Você está cercado por objetos que lhe dão prazer. A felicidade pode ser catalogada, como na coleção de bonecas de sua irmã, arrumada perfeitamente na prateleira acima da cama, é mais um item no cinto de utilidades. Ela tem dimensões exatas, é palpável e sempre pode ser ampliada com mais acréscimos ao acervo. Adultos, continuamos nos apegando aos objetos. O inventário da alegria, no entanto, é mais incerto, sujeito a perdas que não se sabe direito como calcular.

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