sábado, 3 de abril de 2010

Coerência

Mesmo agora, revendo aquilo que escrevi há muitos meses, continuo me preocupando com a coerência dos personagens. Tem horas em que sinto que estou tentando descrever uma pessoa que existe de verdade, que anda por aí e pode se sentar comigo na livraria para levar um papo. De tempos em tempos, preciso dar uma boa olhada nessa pessoa para ter certeza de que estou captando-a corretamente. Isso pode ser difícil, às vezes, quando eu me pego falando de situações pelas quais nunca passei.
Fiz isso direto no primeiro romance, descrevendo o processo de chorar e superar a morte de um irmão por suicídio quando fazia quase vinte anos desde que perdi alguém da minha família (meu avô, que morreu por problemas de saúde). Tentar imaginar a dor da perda de alguém tão próximo foi complicado quando a lembrança de uma perda dessas estava muito desbotada. Inclusive, nunca fiz muitas das coisas que estão descritas no romance. Várias vezes eu sentei para tentar avaliar racionalmente o que o personagem faria numa situação dessas (era o recurso que eu tinha). Li artigos sobre suicídio sempre que os encontrava nos sites de notícias. Uma matéria que me ajudou muito foi um texto de Anderson Cooper, aquele âncora da CNN, falando sobre o suicídio do irmão e como isso o afetou. Também recebi uma dica valiosa de uma amiga que leu um trecho do romance sobre o sentimento de culpa que fica quando uma pessoa de quem você gosta comete suicídio.
Mais difícil ainda foi tentar entrar na cabeça do personagem que comete o suicídio. Passei por momentos bem difíceis, de depressão e muitos altos e baixos quando tinha 20 e poucos anos. Mas a ponto de querer me suicidar? Não. Ainda mais por ter um medo enorme de morrer. Atravessar a rua pode ser um problema para mim porque sou extremamente cautelosa e espero até chegar o momento ideal. Odeio viajar de avião, de carro mais ainda (especialmente depois do acidente de carro em que quebrei o braço), tudo por conta da possibilidade da morte que qualquer viagem dessas embute. Por isso, tentar imaginar o que levaria alguém a se matar foi um desafio enorme e acabou me levando a alguns becos sem saída. Tive de pegar e voltar atrás e jogar fora pedaços grandes do romance em função disso. No fim das contas, por causa de todos esses desafios, o romance acabou sendo o melhor texto que escrevi até hoje.

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