terça-feira, 28 de julho de 2009

Eu tô ferrado

Não há nada melhor que ver aqueles velhos clássicos de Hollywood com aquela atuação bem over e histórias melodramáticas. E três dessas maravilhas da sétima arte compõem a trilogia "Eu tô ferrado" do Charlton Heston, que eu recomendo fervorosamente. São "Os Dez Mandamentos", "El Cid", e "Ben-Hur". Em todos os três filmes, o personagem do Charlton Heston se ferra do início ao fim do filme. Exemplo: em "Ben-Hur", ele é condenado injustamente a ser escravo das galés, passa cinco anos remando um barco romano, e quando consegue voltar, descobre que a irmã e a mãe (presas junto com ele) estão leprosas. Ele tenta se vingar do inimigo, o antigo amigo de infância, mas quando consegue isso, descobre que a vingança não o satisfez. Em "Os Dez Mandamentos" é aquela história que todo mundo conhece. Ele era um príncipe do Egito que perdeu tudo, posição, riqueza e a mulher que amava. Vira pastor de ovelhas e recebe de Deus a missão de libertar os hebreus. Ele até que consegue, mas depois tem de aturar os hebreus libertos torrando sua paciência, reclamando por ter de vagar no deserto. E em "El Cid", ele mata o pai da noiva, a noiva o renega, é exilado pelo rei e quando consegue vitória contra os mouros, é ferido, morre e precisa ser amarrado ao seu cavalo. Não é maravilhoso?
Não há nada melhor que passar uma tarde de domingo na companhia de Charlton Heston, um filme épico, uma corrida de bigas e Yul Brynner se achando, jogando a capinha egípcia por cima do ombro. Não se fazem mais homens ou filmes como antigamente.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

As coisas que amamos



Inspirado por Stephen Sondheim

As malas estão ao lado da porta. São malas caras, de grife. As roupas que foram jogadas nelas apressadamente, com raiva, também são caras, de grife, compradas sempre nas melhores lojas. Quase tudo neste apartamento custou muito dinheiro ou foram objetos encontrados em viagens à Europa, como os dois pássaros de ferro pousados na janela, adquiridos numa loja perto da Piazza Navona, em Roma. Foi lá, naquela cidade cor de ocre onde eles passaram a lua de mel, vagando pelas ruas estreitas, alheios a monumentos e milhares de anos de história, atordoados por respirarem os ares rarefeitos da felicidade. Outras viagens viriam depois, como a de Paris, quando completaram dez anos de casados, e ela aproveitou para comprar as gravuras que adornam a maior parte do apartamento. Ela tinha igualmente se encarregado de selecionar as pinturas da sala. Trabalhos de Luiz Áquila, Manfredo de Souzaneto, Paulo Leal. As gravuras e pinturas eram dela, mas os livros eram dele.
Havia uma vasta coleção de ensaios filosóficos que ele mal lera, mas cujo objetivo era mais impressionar do que instruir. Sua coleção de discos clássicos era mais honesta. Estes ele realmente ouvia, para irritação dela, que preferia compositores mais modernos. Mas eram os discos dela que serviam de fundo musical para os vários jantares e festas que promoviam, em geral para os parceiros dele nos negócios. Ela era a perfeita anfitriã, sempre capaz de oferecer calor humano e diversão. Seus buffets eram famosos entre o restrito círculo de amigos do casal. A longa mesa de carvalho que ela havia encomendado a um marceneiro de renome era perfeita para essas ocasiões e ela se esmerava em oferecer pratos incomuns e sofisticados. Nos últimos anos, aliás, era só para isso que a mesa servia, pois ambos já não sentavam à mesma mesa para as refeições. Preferiam que algum criado viesse lhes trazer o jantar em seus respectivos quartos. Com certeza esse era um arranjo melhor do que ter cada um sentado nas pontas da longa mesa, nunca trocando uma palavra por mal terem o que dizer um para o outro.
Hoje tudo era separado entre eles, quartos, camas, amantes, contas não conjuntas em diferentes bancos. Qualquer proximidade trazia à tona um campo minado de farpas, acusações, recriminações, raiva.
A sala de estar com seus arranjos de flores frescas estrategicamente distribuídos pelas mesinhas e estantes tornara-se um território a ser evitado pelo peso das lembranças que nela se acumulavam da mesma maneira que a grande cristaleira dos anos 20 acumulava as fotos de ambos, como registros arqueológicos expostos em um museu.
Poderia-se até imaginar que o apartamento era como uma daquelas casas de figuras famosas como Dickens ou Mozart, onde tudo havia sido preservado como era durante a vida dos residentes e os visitantes eram convidados a espiar objetos pessoais como óculos ou livros sobre uma mesa, colocados ali casualmente, como se o antigo morador tivesse se ausentado e fosse voltar a qualquer momento.
Talvez aqui fosse preciso ver o que estava ausente, como os pratos de porcelana chinesa que ele quebrara após uma das festas, puto por tê-la visto se engraçar com um dos convidados. Ou então os discos dele que ela arremessara pela janela durante uma discussão sobre algo que nenhum dos dois realmente lembrava mais. Ou quem sabe os filhos que eles nunca tiveram, os brinquedos que nunca povoaram a casa.
Mas as malas estavam ao lado da porta, prestes a transformar o passado em uma memória incômoda. Agora estas malas e as roupas amassadas dentro delas seriam levadas para outro país, outros ares, para esquecer as dores da dona, talvez nos braços de outro senhor tão distinto quanto aquele com quem ela casara. Talvez, quando ela viesse à sala, olhasse em volta e visse todos os objetos daquela sala e todas as lembranças que eles representavam, sentisse arrependimento e dor e um gosto de fel. Poderia se perguntar se todos aqueles anos tinham valido a pena. Mas de nada adiantaria revirar o passado agora. Tudo estava irremediavelmente acabado e as malas estavam ali ao lado da porta, aguardando. Só lhe restava partir. No futuro, quem sabe, essas coisas voltassem a ser queridas para ela. Mas, por ora, havia as malas e as roupas amassadas, esperando, esperando.
novembro de 1999 a julho de 2004
(texto inédito)


Filmes de cabeceira

É o seguinte. Não sou cinéfila. Assisto filmes porque preciso, porque sou tradutora de cinema e TV. É provável que eu assista de 80 a 100 filmes por ano. Filmes que traduzo ou cujas legendas eu lanço em festivais de cinema.
No meio dessa overdose toda, os filmes que realmente ficam na minha imaginação são aqueles que eu queria ter escrito como romances ou que acho que poderiam dar uma ótima estrutura para um romance. Daí não é nem uma questão cinematográfica, é literatura. Até certo ponto é aquela inveja que significa que eu queria ter feito algo assim. São esses os filmes que eu assisto de novo e de novo, torcendo que um dia eles façam acender uma luz dentro da minha cabeça e eu saia escrevendo.

O amante

Esta é uma das aberturas de romance mais geniais que eu conheço. É do romance "O Amante", de Marguerite Duras, um daqueles livros que eu leio de novo e de novo. Minha cópia estava tão ferrada que eu precisei comprar uma nova para poder continuar lendo o livro.
Um dia, eu já tinha bastante idade, no saguão de um lugar público, um homem se aproximou de mim. Apresentou-se e disse: "Eu a conheço desde sempre. Todo mundo diz que você era bonita quando jovem; venho lhe dizer que, por mim, eu a acho agora ainda mais bonita do que quando jovem; gostava menos do seu rosto de moça do que do rosto que você tem agora, devastado".

Penso com freqüência nessa imagem que sou a única ainda a ver e que nunca mencionei a ninguém. Ela continua lá, no mesmo silêncio, fascinante. Entre todas as imagens de mim mesma, é a que me agrada, nela me reconheço, com ela me encanto.

Carson McCullers, a saga

Adoro este vídeo filmado pela Cecília Giannetti. Não entendo metade do que é dito, mas eu adoro. Valeu, Ramones, por me apresentar a este vídeo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Aniversários*

Há algo de ligeiramente decepcionante nos aniversários quando você é um adulto. Quando você é criança parece que tudo gira em torno de você, tem uma festona, um monte de presentes, aquele bolo de sorvete de chocolate e creme que você adora, aparece a família toda. Mas quando você cresce fica difícil se agarrar àquela sensação de que este é seu dia especial. Pequenas coisas estragam a superfície imaculada que você queria para o seu dia. O engarrafamento, o livro que você queria comprar e esgotou, o garçom que o ignora há 15 minutos. Quando você chegar em casa não vai ter aquela festa surpresa esperando por você, nem a bicicleta vermelho fogo, nem aquela fantasia de Batman. E se quiser sorvete, vai ter de comprar você mesmo no supermercado. Ainda assim, você encontra coisas para tornar o seu aniversário uma ocasião especial. Aquele jantar naquele restaurante que você adora e seu prato preferido. A ligação de um amigo que lembrou de você justo hoje. Um abraço de quem você não esperava. Seu aniversário nunca mais vai ser aquilo que era quando você tinha sete anos e o mundo parecia girar a sua volta. Você só vai ter de transformar esse dia em outra coisa, algo que só você sabe e de que só você poderá desfrutar.
* A propósito, isto não é autobiografia. É só algo que me ocorreu durante o dia de ontem.

O espelho

Quando leio romances, eu me deparo com trechos que eu queria ter escrito. Este é um deles:
"On the first floor, near the foot of the stairs, we have placed an antique mirror so old that it can't reflect anything anymore. Its surface, worn down to nubbled grainy gray stubs, has lost one of its dimensions. Like me, it's glimmerless. You can't see into it now, just past it. Depth has been replaced by texture. This mirror gives back nothing and makes no productive claim upon anyone. The mirror has been so completely worn away that you have to learn to live with what it refuses to do. That's it's beauty." (The Feast of Love, Charles Baxter)

terça-feira, 21 de julho de 2009

Happy birthday

Hoje é meu aniversário. E vou fazer algo que não faço há muito tempo no meu aniversário. Descansar. Vou sair, escrever, jantar no meu restaurante preferido. Life is good.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Por que Clark Kent em Paraty?


Esse é o dilema de todo escritor que não vive do que escreve e, mais ainda, daquele que ainda não publicou "o romance". Você passa a semana toda como aquele burocrata de terno e gravata, comparecendo direitinho na repartição. Ninguém que o veja no restaurante a quilo, na fila do banco, no ponto de ônibus imagina que, no sábado, naquele dia em que você consegue fugir da rotina, você se transforma, bota a capa vermelha vistosa, o collant azul e sai voando assim que começa a escrever. Nessa hora em que o texto vem, você é de fato invulnerável. Aí, no fim do dia, você recolhe a caneta e o caderno, bota os óculos de novo e volta a ser Clark Kent. Essa é sua vida dupla.
Paraty? Paraty é a FLIP, aqueles cinco dias de adrenalina e papos sobre literatura e tudo o que você quer é deixar de ser Clark Kent e assumir o seu lado Super-Homem em tempo integral. Acho que estou a caminho disso. Só não cheguei lá ainda.

E chegamos à lua


É difícil explicar exatamente por quê, mas a idéia de pisar em outro planeta sempre me fascinou. Acho que não é à toa que sou fã eterna de Jornada nas Estrelas.
Eu tinha cinco anos quando do primeiro pouso na lua, mas não lembro de nada desse dia e muito pouco dessa época. Duvido muito que minha mãe tenha me colocado na frente da TV para assistir esse evento. Tive de revivê-lo muitos anos depois, vendo a magnífica série do Tom Hanks, From the Earth to the Moon. E foi como se eu estivesse vendo tudo pela primeira vez, como quando aconteceu, há 40 anos. Agora eu fico torcendo para estar viva para ver o primeiro passo na superfície de Marte.

domingo, 19 de julho de 2009

Pela boca de Virginia Woolf


Há um texto em "The Hours" de Michael Cunningham que expressa perfeitamente o que escrever é para mim.
"This is one of the most singular experiences, waking on what feels like a good day, preparing to work but not yet actually embarked. At this moment there are infinite possibilities, whole hours ahead. Her mind hums. This morning she may penetrate the obfuscation, the clogged pipes, to reach the gold. She can feel it inside her, an all but indescribable second self, or rather a parallel, purer self. If she were religious, she would call it the soul. It is more than the sum of her intellect and her emotions, more than the sum of her experiences, though it runs like veins of brilliant metal through all three. It is an inner faculty that recognizes the animating mysteries of the world because it is made of the same substance, and when she is very fortunate she is able to write directly through that faculty. Writing in that state is the most profound satisfaction she knows."
O que há mais para dizer?

Estréia

Oh, dear. Lá vou eu, começar um blog. Não sei se vai dar certo, mas pelo menos eu posso tentar. Este vai ser um lugar para falar de algumas de minhas obsessões: livros, textos que estou escrevendo, restaurantes, fotografia, o que seja. Tomara que alguém leia isto aqui e goste.