domingo, 30 de agosto de 2009

Dever cumprido


Voltar para casa após ter passado o dia instalada na Travessa (meu escritório), escrevendo, é sempre um pouco triste. Isto porque é, inevitavelmente, uma volta à realidade e eu preferiria continuar escrevendo, não ter que voltar ao trabalho. Mas há também a satisfação de saber que o dia rendeu, que avancei mais algumas páginas e que no próximo sábado tudo vai se repetir.
E toda vez que eu volto para casa, eu estou quicando das paredes, cheia de energia. É muito difícil dormir e até a pilha baixar, é três, quatro da manhã.
No fim de semana que vem vou fechar mais uma parte do texto e iniciar um novo capítulo. Com alguma sorte, terei a primeira versão fechada até o final do ano e aí começara o trabalho de voltar atrás para escrever a segunda versão. Com alguma sorte, até meados do ano que vem eu já tenha um novo romance. Not bad, huh?

Cartas

Sempre fui fascinada por correspondências. Na época da faculdade li toda a correspondência amorosa do Franz Kafka e até fiz minha monografia de fim de curso em cima disso. É um milagre que eu não tenha escrito mais textos em cima de cartas.
Passei anos escrevendo para essa minha amiga de Chicago e não havia nada melhor do que chegar em casa do trabalho e achar uma carta dela na caixa do correio. Muitos anos depois, ela reuniu essas cartas todas em papel e me perguntou se eu as queria de volta. Eu disse que sim, intrigada com a idéia de reler cartas que eu havia escrito há vinte anos. Chegou uma caixa aqui enorme com envelopes e mais envelopes. Ainda bem que a gente hoje em dia se corresponde via e-mail ou a casa dela não ia ter espaço para mais nada. Eu posso ser um pouco obsessiva com algumas coisas. O que eu não imaginava era que ao reler todas essas cartas que eu escrevi com vinte e poucos anos, eu me depararia com uma pessoa de quem tinha me esquecido.
E foi genial, porque acabei usando muito disso no meu romance O que ficou por fazer e inevitavelmente vou acabar usando mais uma vez no novo texto que escrevo agora. Quando você chega aos 40, esquece como era inocente e arrogante e burro ao mesmo tempo quando tinha 20. Essa foi uma descoberta importante para mim. Uma que eu nunca teria feito se não tivesse me reencontrado com minhas cartas.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Mundo virtual

Vou confessar uma coisa que parece maluquice para alguém que adora mexer com computadores o dia todo e tem a constante sensação de estar vivendo dentro daqueles filmes de ficção científica que eu assistia quando era criança e adolescente. Odeio esses contatos virtuais. Durei cinco minutos no Orkut, estou no Facebook (porque minha irmã me convidou a entrar e achei que seria grosseria não aceitar) mas não vejo muito qual o sentido daquilo. Até uso o Windows Messenger, mas só para questões de trabalho. Do contrário, odeio aquilo. Prefiro estar em contato cara a cara com as pessoas ou pelo menos poder falar com elas ao telefone. Preciso do tom de voz, de ouvir a risada da pessoa, da sua expressão. Sinceramente não consigo entender como alguém pode ser amigo de outra pessoa que nunca foi vista.
Também acho lindos aqueles iPhones e agendas eletrônicas, mas ainda prefiro papel e caneta. Da mesma forma, não consigo escrever no computador. E-mails, claro, entradas neste blog, mas para escrever de verdade eu preciso de papel e caneta. Preciso de um caderno, preciso ouvir música, preciso das minhas canetas de ponta fina. Eu comecei a escrever aos 15 anos, antes que existissem computadores pessoais, antes de ter uma máquina de escrever. Daí tornou-se natural continuar escrevendo da forma tradicional. Esse se tornou o meu ritmo. E a essa altura do campeonato, eu não vou mudar.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Visita

Uma grande amiga minha está vindo ao Rio. Ela mora há muitos anos em Chicago e é raro termos uma chance de nos vermos. Boa parte de nossa amizade sempre se deu à distância, através de cartas e e-mails, um ocasional telefonema. Não é fácil. Mas uma coisa que sempre ajudou a manter nossa amizade é o fato de que ela sempre acreditou em mim e no que eu era capaz de fazer. Ela me disse uma coisa que eu guardo até hoje: eu vergo mas não quebro. É uma coisa da qual eu lembro toda vez que passo por momentos difíceis.
Por isso e muito mais eu dedico meu primeiro romance a ela. Tomara que eu possa publicá-lo logo só para ter o prazer de enviar um exemplar para ela.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Primeiro filme

Chegou o primeiro filme. É alemão, para variar. Acho que fiz uns três filmes alemães em 12 anos de Festival. E um documentário em que não se fala muito, uma raridade.
Quantos vou conseguir fazer este ano? Não sei. Sempre torço para fazer o maior número possível. Só torço para não pegar trinta filmes orientais como no ano passado. Eles são dificílimos de fazer porque você não sabe o que realmente estão dizendo e depende inteiramente da legenda no DVD. Bom, veremos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O que ficou por fazer

Passei seis anos escrevendo um romance que ainda está por ser publicado. Foi uma das experiências mais difíceis e recompensadoras da minha vida. Levei muito na cabeça, recebi críticas maravilhosas e terríveis, joguei partes inteiras do romance fora para recomeçar duas vezes, mas essa coisa toda confirmou para mim que escrever é, de fato, a minha vocação primeira. É aquilo que me faz feliz, que me faz ser capaz de suportar todos os trancos.
O romance trata de uma família e o que acontece com ela quando o filho mais novo se mata com um tiro na cabeça. Amor, morte, família, os tradicionais temas da literatura.
Aproveito para dar um gostinho do que escrevi.


Aquilo que guardamos do que acontece conosco. É a lembrança feita matéria dura, cimento, pedra. Ela segue nítida, cristalina, imune à passagem do tempo, pronta a ser convocada a qualquer momento.
Estar no enterro do vovô, ver aquele homem tão grande e vital e alegre metido numa caixa que parecia pequena demais para toda a sua estatura, mas ele cabia assim mesmo. Não havia como negar a ausência de vida naquele objeto parecido com cera no meio da capela e do choro.
Estar no meio da sala, olhando hipnotizada para a TV e falando com uma pessoa atrás da outra pelo telefone, como se elas pudessem confirmar para mim que a imagem das duas torres queimando era mesmo real e, na hora em que a segunda torre se desfez em uma nuvem de cinzas, ouvir Daniel na outra ponta, tão pasmo quanto eu, falando: —Puta merda, o prédio caiu.
Ou estar nessa mesma sala, ouvir a frase “tiro na cabeça” enquanto eu admirava o dia ensolarado lá fora, sentir uma súbita onda de fraqueza e tontura passar por mim, aquela vertigem de quase desfalecer, o universo encolhendo e girando em torno desse ponto,
um tiro na cabeça, e fora isso só havia escuridão.
Tudo continua girando em torno da dor, da ausência. Agora é a sobrevivência. Eu
sobre-vivi, continuei existindo mesmo depois de ele parar. A dor é muito pesada e se acumula no fundo. A felicidade sobe, habita alturas rarefeitas. Tento dominar a arte de ficar no meio do caminho. Daniel me contou que esteve no topo das torres, olhou toda a paisagem em volta. As torres se transformaram em destroços retorcidos, naquele inusitado tapete de cinzas e papéis. Meu irmão desabou também. Sou a pessoa que sempre fui. Sou esse desvio que ele me fez tomar. Quem questiona tudo à minha volta é ele, não eu. Este olhar é dele. Ele o provocou em mim. Faz parte de seu legado, junto com as cartas e livros. Cinzas e papéis. (Essa era a surpresa, que as pessoas não sobreviveram, mas os papéis sim.) Sou minha mãe, sou todas as coisas que nunca tive coragem de lhe dizer.
Minha vizinha de porta é uma mulher de seus quarenta e tantos anos que mora com a filha adolescente. De tempos em tempos, posso ouvi-las gritando através da parede da sala. Brigas normais de mãe e filha, imagino, ouvindo os gritos abafados, pedaços de acusações filtradas por tijolos e cimento. Digo imagino porque quando ouvi a primeira briga delas percebi o quanto era estranho eu nunca ter discutido com a minha mãe. E havia algo de triste nisso. No meu papel de boa filha, sempre fiz questão de não me bater com Dona Carolina, achei melhor deixar para lá quando não gostava de algo que ela fazia ou dizia. Minha teoria operacional era de que a ausência de confrontos, embates, caracterizava uma relação mais saudável, até me orgulhava de poder dizer que nunca brigara com minha mãe. Mas com aqueles gritos vazando para a sede de minha harmonia familiar, comecei a achar cada vez mais estranha aquela paz engessada entre eu e mamãe, as comunicações que passavam em branco. E, de branco em branco, criou-se uma distância de galáxias inteiras, irremediável, incompreensível mesmo para os maiores astrônomos da Terra. Um beijo, um abraço não terão forças para nos aproximar.
Meros centímetros separavam minha vizinha da filha e de mim. Elas é que têm sorte. Que gritem, se xinguem, se batam. Uma sabe exatamente a distância que a separa da outra. E isso é uma felicidade que elas nem desconfiam possuir.

domingo, 16 de agosto de 2009

The Guardian

Todo sábado eu compro os suplementos literários aqui do Rio, mas tem um sem o qual eu não fico, que é a seção de livros do jornal inglês The Guardian. Eu consulto todo dia. Eles falam dos últimos lançamentos na Inglaterra, os prêmios literários (Orange, Booker etc.) e ainda tem duas séries que eu adoro. Um é o Writer's Room, que mostra fotos das salas em que os escritores trabalham, e o outro é o Guardian Book Club em que, numa série de quatro artigos, eles discutem a escrita de um livro, estrutura, personagens e tal. Inclusive, dependendo da semana, eles até gravam uma discussão com o autor do livro e colocam no site como um podcast. Por exemplo, um dos ótimos podcasts é com a Zoe Heller, que escreveu Notes on a Scandal. O link está bem aqui do lado. Eu recomendo.

Netherland

Li este livro há alguns meses depois que Deus e o mundo no mundo literário inglês fez elogios a este romance. Algum tempo depois, o livro foi visto na mão do Barack Obama. Isso é que é marketing. Agora descubro que Netherland vai ser publicado aqui no Brasil pela Alfaguara. Eu recomendo. É muito bom. Ele fala dessa coisa que é ser estrangeiro no mundo, que é um dos temas que sempre me fascina. Desconfio que esse vai ser daqueles livros que vou ler várias vezes como faço com The Remains of the Day e The Hours. Ainda bem que meu exemplar é de capa dura ou ele vai acabar se desfazendo como todos os livros que leio repetidamente. Se quiser saber mais sobre o livro, leia sobre ele no blog do Prosa e Verso aqui. Tem até um trecho traduzido para você ter um gostinho.

Foi dada a partida


Primeira reunião dos legendistas. Eu sempre adoro essas reuniões. Nós nos conhecemos há anos e cria-se uma sintonia imediata toda vez que você coloca todo mundo dentro de uma sala. Há um certo repertório de histórias e piadas e eventos que todos testemunharam ou ouviram falar a respeito que forma a base da nossa relação. Ao mesmo tempo somos como uma família que só se encontra no Natal. Todos temos nossas vidas separadas e não nos vemos por meses, mas quando chega a época do Festival, é como se tivéssemos nos visto ontem e seguimos exatamente do mesmo ponto. É como uma relação em prestações, um pouco de cada vez. Agora fico aguardando pela reunião do leilão de sessões, que é sempre uma delícia. É cada legendista por si e Deus por todos. E vamos rumo a setembro!

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Papo bom

Tem um assunto que sempre me interessou, que é como um livro pode ser adaptado e virar um filme. Há uma interessante discussão sobre a adaptação da literatura para o cinema nos comentários do DVD do filme As Horas que reúne o diretor Stephen Daldry e o escritor do romance Michael Cunningham. Há muitas observações extremamente pertinentes sobre o que o romance pode mostrar que um filme não pode e vice-versa. Muito legal.
Outro lugar é num site da revista Prospect que junta Zoe Heller, autora de Notas sobre um Escândalo e Patrick Marber que fez a adaptação para o cinema e que você encontra aqui.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Maratona

A maratona do Festival do Rio está prestes a começar. Essa é uma coisa pela qual espero o ano todo desde que comecei a trabalhar em festivais em 1998. Você trabalha feito uma louca, vira noites, corre de um lado para o outro e quando termina fica meio desamparada, torcendo que não demore muito para o ano virar e chegar agosto para começar tudo de novo. E ano passado, quando pude ir a São Paulo trabalhar na Mostra e estender a maratona por mais um mês, foi estranho estar em casa e não precisar consultar meu caderninho com as sessões anotadas e não ter para onde correr dentro de meia hora e tomar banho correndo e me vestir numa velocidade que só tenho nessa época do ano. Passo o resto do ano chegando atrasada nos lugares, mas na época do Festival, chego adiantada nos cinemas e aí fico quicando até a hora de começar a sessão. É uma adrenalina que não acho em qualquer outro lugar. Muito porque é a época em que mais passo tempo fora de casa, mas também por causa da energia do encontro com meus colegas legendistas. São Paulo foi maravilhoso por causa disso. Toda noite tinha uma esticada num bar, num restaurante, e depois ter de deixar de lado essa boemia fica complicado. Isso de alguém de nunca foi muito de ir a bares na adolescência e durante boa parte da minha vida adulta até agora.
Que o Deus branco nos ilumine no escurinho do cinema.