terça-feira, 29 de junho de 2010

Um dia de preguiça

Depois de perder tantas horas de sono esta semana que passou, eu finalmente consegui um dia de folga. E, tendo pensado em sair de casa, dar uma volta, resolvi deitar para tirar um cochilo. Dormi a tarde toda. Olha, é muito bom poder ter um dia para não fazer nada. Eu tinha praticamente esquecido como era isso.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Vizinhos

Acho engraçado como, mesmo não assistindo o jogo do Brasil, dá perfeitamente para saber qual o resultado. No primeiro jogo do Brasil, eu soube que aconteceu o primeiro gol enquanto estava na cozinha, fazendo pipoca. Em 1994, quando ainda não trabalhava com tradução de cinema e TV, a televisão ficava na sala e, enquanto trabalhava no escritório, usava os gritos dos vizinhos para saber o que estava acontecendo nos jogos. Depois me mudei para outra vila e aí parecia que toda semana era semana de Copa do Mundo. Meus vizinhos do lado eram fanáticos pelo Flamengo e toda vez que tinha um jogo e o Flamengo fazia um gol, eu sabia na hora. Eles também eram afeitos a modas passageiras. Quando os Mamonas Assassinas morreram naquele acidente de avião, alguém naquela casa resolveu repassar toda a obra do grupo repetidamente durante dias no último volume. Também lembro de uma fase de Celine Dion na época do Titanic e uma preferência constante por pagode que eu francamente lamentava. Inclusive porque nunca passou pela cabeça deles que eu e o resto da vila podíamos não ter qualquer interesse no gosto musical deles. Felizmente, meus vizinhos atuais se abstém de manifestar muito seus gostos musicais. Eu prefiro assim.

domingo, 27 de junho de 2010

O fracasso é glorioso

Mais um pedaço do O Que Ficou Por Fazer. Só para situar quem está lendo, esta cena se passa enquanto a Graça vai fiscalizar a pintura do apartamento do irmão morto.

As pessoas marcam suas peles com tatuagens. Eu serei marcada por uma ausência que nem todos os diários do mundo poderão preencher. Afinal, eu sei qual é meu lugar nesta família. Sou a sobrevivente, que suporta todos os golpes e segue em frente a despeito deles, sou a que não desiste. Eu vergo, mas não quebro. Em outra época, eu me revoltaria contra esse destino, só que hoje entendo por que ele me cabe.

Eu tinha de enfrentar. A porta estava fechada, nunca seria aberta de novo. Entendi enfim que é com a finalidade da morte que as pessoas têm problemas. É como quando você quebra o braço e fica se culpando por não ter sido capaz de evitar o acidente que provocou a fratura. Você olha para trás de novo e de novo, desejando que pudesse desfazer o gesso, as radiografias, a corrida para o hospital, os meses durante os quais terá que fazer tudo com a mão errada. Eu tinha certeza de que, se continuasse me movendo, eu o perderia de algum modo. Mas não, ele vem comigo a todos os lugares, como um cão leal numa coleira, um fantasma na coleira. Ele se senta comigo no restaurante, transparente e pálido, um buraco vermelho no lado da cabeça. Ele quer saber o que ando fazendo. Tentando esquecer você. Ele parece surpreso. Você morreu, esqueceu? Ele responde, E isso é motivo?

Meu fantasma desobediente. Quando é que vai embora, sumir e levar com você as imagens sangrentas na minha cabeça? Essa bala, Daniel, essa bala... Cara, como eu te odeio. Você me deixou sozinha. Não era para ser assim.

Eu te odeio e eu te amo e tudo o mais que se pode sentir entre as duas pontas desse espectro. Mano, você foi uma anta, achando que a dor ia chegar ao fim só porque você morreu. Ela só mudou de endereço. Até ajudei na mudança, botei tudo em caixas, babaca que sou. Este foi seu ato máximo de egoísmo. E não adianta ficar balançando sua cabeça insubstancial de fantasma. Essa é a verdade.

Eu te levei para casa molécula por molécula. Um pouco nas fotos, outro tanto nos teus livros manchados de comida, outra porção nos teus textos, o resto nas digitais que ficaram nas cartas. Você deixou pistas para tudo, menos para o mais importante.

E daí que você fracassou? Eu fracassei, a mamãe fracassou. Qual é o problema? O fracasso é glorioso e necessário e nos faz sentir mais vivos quando o superamos. Mas você nunca entendeu isso, não foi? Era você que tinha todos os insights, que entendia as pessoas muito melhor que eu. Onde estão todos os seus insights agora?

Olho para sua grande cabeça arruinada, a ferida sangrenta, me pergunto mais uma vez se não somos a mesma pessoa. Talvez por isso eu possa vê-lo, ouvi-lo quando ninguém mais pode. Depois que tudo estiver acabado, o que vai sobrar de mim, de você, de todas essas lembranças confundidas, todos os pesares de uma vida inteira? Elas cobrem tudo como uma poeira fina. Amo meu irmão afinal e sempre será tarde demais.

Não me mexo. Apenas observo enquanto pintam as paredes de branco. Resistir é inútil, eu sei. A ordem sempre prevalece. Os pintores vão destruir qualquer indício de que já houve vida aqui e logo, dentro de poucos meses, outras pessoas estarão morando neste espaço, amando, trabalhando, criando gerações inteiras. Elas também serão apagadas no futuro, como meu irmão está sendo, inexoravelmente. Todos serão apagados, inclusive eu, e em um futuro distante, quando não restar nada além das ruínas deste lugar, alguém poderá talvez reconstituir as vidas que passaram por este prédio, este apartamento. Esses arqueólogos futuros saberão que alguém chamado Daniel viveu e amou e chorou e se alegrou e sofreu e morreu aqui.

O futuro é o tempo das possibilidades. Ele se esqueceu disso. Às vezes, no meio do dia, enquanto faço algo banal como preparar o jantar ou varrer a casa ou dar ração para Beth, sinto bater uma raiva enorme dele. Daniel, seu babaca, penso, olhando para os objetos que trouxe de sua casa, e daí que a vida pode ser uma merda? Isso passa, tudo passa.

Se pudesse, marcaria todas as paredes com a palma da minha mão molhada de tinta vermelha como faziam os povos pré-históricos nas paredes das cavernas. Esse é um gesto tão instintivo, básico. Há milênios, o homem deixa seu grafite em túmulos egípcios, catedrais góticas, na Muralha da China. Eu estive aqui. Talvez a escrita do Daniel tenha a ver com isso, com o desejo de marcar sua presença no mundo de alguma forma, a eterna luta contra o esquecimento.

Vou até a janela da sala, tendo cuidado para não encostar na tinta fresca. Há um instante de déjà vu. Quantas vezes Daniel fez esse mesmo gesto de olhar pela janela?

Um instante se passa, mais outro. Sinto agudamente o rápido escoar dos segundos. Cada um é único, cheio de promessas. Sinto como se estivesse prestes a ter uma grande revelação, alguma iluminação que mudará este momento para sempre. O momento se vai. Não estou mais sábia do que era há dois segundos. Minha decepção não dura muito. Mais está por vir. É com surpresa que descubro que sou uma otimista.

Perigo: tradutora dormindo

Talvez fosse um sinal. Fechei minha semana com um incêndio no Morro dos Cabritos e passei esta semana toda apagando incêndios. Virei duas noites para terminar trabalhos e nas outras não deu para dormir as oito horas regulamentares sem as quais eu viro um zumbi. Só Deus sabe em que estado ficaram os freelas que eu entreguei. De repente, parecia que eu tinha voltado para aquele mês e meio interminável ano passado em que fui do Festival do Rio para a Mostra de São Paulo praticamente sem pregar o olho porque era uma emergência atrás da outra. Só que sem o benefício da adrenalina que aqueles eventos me dão para ir aguentando o rojão. Mas esta noite vou dormir tudo a que tenho direito e ai de quem tentar me acordar.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Uma data especial

Em 22 de junho de 1977, eu cheguei no Rio de Janeiro para morar no Brasil em definitivo, resultado da separação dos meus pais. O trauma da separação não foi realmente o problema. Eu estava atordoada por de repente me ver em uma cultura com a qual eu realmente não tinha muita ligação. Sim, eu tinha morado em Brasília no início do anos 70, mas na prática era para mim como qualquer outro país estrangeiro. Meu choque cultural foi avassalador. Eu levei uma semana para conseguir começar a falar em português pois apesar de entender tudo perfeitamente (meus pais só falavam conosco em português), eu só falava inglês em Nova York. Levei um tempo para virar o dial. E foi o início do período que mais tarde denominei de o início do meu exílio, um exílio que felizmente não me pesa mais. Não sou muito de guardar datas, esqueço elas em segundos, mas essa eu guardei.

domingo, 20 de junho de 2010

Prioridades


Enquanto tem um monte de gente gritando com a TV durante o jogo do Brasil, soltando fogos, o Wilson, depois de comer as pipocas que caíram no chão, está dormindo com toda calma embaixo da minha mesa de trabalho, roncando ligeiramente.

Circulando

Uma constatação curiosa ontem. Circulando pela Travessa, dando um tempo para pensar e também para me esquentar um pouco (a livraria, como sempre, é um gelo), vejo que arrumam um display com livros do Saramago. Claro, o homem morreu na sexta. Mas, frequentadora assídua, eu sei que a Travessa tem o hábito de estar sempre antenada com o que acontece. Livros destacados nos suplementos literários sempre estão naquela primeira mesa de display para quem entra. Tem um livro do Wilson Bueno (lamentavelmente assassinado) bem na entrada. E há as mesas temáticas, que destacam os livros que tem a ver com o tema do momento: Clarice Lispector, vampiros, dia dos Namorados, FLIP, culinária, Natal. É o que observo há anos.
Saio para jantar no Leblon, me encaminho para a Argumento para a segunda metade do meu dia. Na verdade, é mais como uma prorrogação já que não passo tanto tempo na Argumento quanto na Travessa. E quando circulo por lá, o único sinal que encontro da morte do Saramago é uma biografia dele na vitrine. A Argumento nunca muda. Você tem uma mesa de lançamentos e olhe lá. Eu realmente prefiro a energia da Travessa, aquela gente toda que passa por lá, os clientes assíduos que já conheço de vista, todas as figuras (e volta e meia aparecem umas figuraças). Mas a Argumento tem aquele café nos fundos e a energia daquela livraria está no café, muitas vezes mais cheio que a livraria. E as garçonetes são todas ótimas, meio maluquetes. São elas que me fazem voltar toda semana.

Antes do incêndio

Minha noite terminou com um incêndio. No táxi, voltando para casa, vi o fogo no Morro dos Cabritos. O meu dia, felizmente, foi mais tranquilo e um pouco sonolento. Dormi pouco esta noite, precisando terminar um trabalho. Ser freelancer tem dessas coisas. De todo modo, afinal tive uma epifania sobre como mexer na terceira parte do romance. Vou fazer um texto mais solto, meio stream of consciousness, como um monólogo de teatro. Isso significa que terei de reescrever tudo, fazer um assunto puxar o outro, naturalmente. Meu trabalho agora vai ser fixar o que quero dizer para depois rearrumar tudo. Me parece que a solução mais óbvia seria ancorar a história num determinado momento cronológico como ponto focal e a partir disso, ir e voltar no tempo, na história, puxar os eventos que interessam. Se vou conseguir ou não, só Deus sabe. O que me interessa é ficar tramando os caminhos da história. Desconfio que vai ser um exercício interessante, no mínimo. Na fase final de revisão do primeiro romance, eu joguei fora a parte do Daniel, comprei um caderno diferente e recomecei a escrever a história dele como se eu estivesse escrevendo o diário dele, de um jeito mais solto, sem muita estrutura. Vou ter de reeditar isso. Depois eu conto se funcionar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Há zilhões de anos

Há muitos zilhões de anos, fui levada para o Fluminense. Meu avô materno era torcedor, sócio e boa parte da família do lado materno ainda é fiel ao clube. Não sei direito quem me levou agora, acho que foi meu avô ou meu pai. Era época de férias e (quando eu morava em Brasília) vinha ficar na casa dos meus avós maternos, na Soares Cabral, praticamente do lado do Fluminense. Bom, vamos supor que era o meu pai. Ele me levou para o campo, o time estava treinando e, num lado do campo, meu pai me apresentou ao Félix, o goleiro, orgulhoso de poder apresentar a filha a esse ídolo. Só que eu não fazia ideia de que ele tinha sido goleiro da seleção de 1970. Eu nem sabia que o Brasil era tricampeão. Só fui prestar mais atenção nessas coisas depois que voltei de Nova York, em 1977.
Poucos anos depois, meu pai me levou para ver um jogo do Cosmos em Nova York para ver o Pelé. Foi a única vez em que fui a um jogo de futebol e dele só guardo a recordação de certa frustração porque o Pelé jogou muito pouco tempo. Comprei umas fotos de souvenir no estádio e guardei essas fotos durante séculos. Talvez ele tenha me levado porque eu era a mais velha e queria que eu visse o Pelé jogar. Talvez ele quisesse que eu gostasse de futebol tanto quanto ele. Ele fez outras tentativas, mas nada vingou muito. Entendo do jogo, entendo as regras, mas nunca fui fanática. Quem acabou ficando doida por futebol na família foi minha irmã. É ela quem deve estar na frente da TV agora, em companhia dos filhos, vendo a Inglaterra jogar.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Tradição

Já se tornou uma espécie de tradição. Ou, no mínimo, uma coincidência interessante. Em jogos do Brasil, a seleção sempre marca quando estou longe da TV ou distraída com alguma outra coisa. Talvez, no próximo jogo, eu deva sair mais vezes do escritório.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O esporte e eu

Começou a Copa. Não, não estou empolgada. Mas jogo de Copa é ótimo para trabalhar. Explico. Eu trabalho com a TV ligada o dia inteiro. Como tradutora de cinema e TV, faz parte do serviço estar ligada no que acontece lá fora, ainda mais nesses tempos em que tudo quanto é série faz referência a outras séries. Eu sempre assisto a todos esses grandes eventos esportivos. Adoro as Olimpíadas (sejam de inverno ou verão), os Jogos Pan-Americanos, assisto basquete feminino, beisebol, outras coisas. Isso de quem não tinha qualquer habilidade esportiva, exceto no queimado.
É meio inevitável acompanhar a Copa. Mesmo que eu não ligue a TV no jogo do Brasil, vou saber o que aconteceu por conta do barulho da vizinhança. Eu aproveito os jogos da Copa para trabalhar. Deixo a TV no canal de esportes e sigo trabalhando até alguém gritar "gol". Aí dou uma olhada, vejo quem marcou, volto ao trabalho. Eu rendo horrores desse jeito.
Minha irmã é louca por futebol e imagino que esteja lá em Londres, agarrada à TV, vendo tudinho. Eu só presto atenção em futebol em época de Copa. Minha primeira Copa foi a de 1974, sentada num clube em Brasília, vendo os jogos numa TV mínima, em preto e branco, que ficava no bar, comendo filé aperitivo Eu não sabia nada do histórico da seleção do Brasil, do tricampeonato, nada disso. Me mandaram torcer pelo Brasil e eu torci. Em 1994, quando ganhamos pela quarta vez, parei meia hora para comemorar com o pessoal da vila onde morava, depois voltei ao trabalho. Em 2002, foi mais ou menos a mesma coisa. Fiquei satisfeita por uma hora ou duas, depois voltei para o trabalho que estava fazendo, ouvindo os carros passando na rua, buzinando. Este ano, seja lá qual for o resultado, não será diferente.

domingo, 13 de junho de 2010

Mudar o foco

Mais um sábado de labuta literária. Fiz algumas rápidas pausas para saber do placar do jogo da Inglaterra já que uma das TVs do segundo andar estava ligada na Copa. Foi um dia razoavelmente produtivo. É interessante voltar a tomar contato com certos personagens depois de passar algum tempo longe deles. Sinto que preciso mudar um pouco o foco desta parte do romance. E isso vai encaixar melhor com outras coisas que eu tinha pensado para o final da história. Cada vez mais acho que bagunçar a ordem das cenas deste pedaço do romance vai ser o toque final para fazer a coisa toda funcionar. Na prática, eu queria escrever cada uma das seções com uma estrutura completamente diferente. Isso ajudaria a reforçar a premissa central, de que cada pedaço da história ocorre em um universo paralelo ligeiramente diferente, mas ainda não consegui enxergar uma maneira de organizar a segunda parte de forma que ajude a história. A primeira parte é, por necessidade, linear, para estabelecer qual é a história e permitir que as pessoas detectem as variações nas histórias seguintes, a segunda está linear também por enquanto, a terceira terá sua ordem bagunçada e a quarta começa num dia dez anos após o início da história e conta o que acontece em flashbacks.
Eu invento essas coisas para mim mesma, depois fico arrancando os cabelos, achando que não vai dar certo. Mas claro que a graça de escrever está nesses desafios. Posso acabar me estabacando toda, mas pelo menos eu tento.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Ainda bem que é sexta

Tempo instável, frio, promessa de chuva. É o tempo que eu gosto. Hoje é aquele tipo de dia em que eu preferiria que já fosse sábado e eu estivesse descansando na livraria. Foi uma semana daquelas. Minhas pernas estão doloridas e estou caindo de sono. Como é bom ter um dia sagrado para escrever.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Kevin, o preferido

Acabo de saber que We Need to Talk About Kevin acaba de ser votado como o preferido entre os livros vencedores do Orange Prize na Inglaterra. E saiu uma nova edição do livro com uma apresentação genial da Kate Mosse, reproduzida no The Guardian. Recomendo a leitura.

Kevin

We Need to Talk About Kevin é um livro que é uma cacetada na cabeça. E a forma como isso é conseguido é a estrutura. Em resumo, o livro é um romance epistolar. A personagem central do livro, Eva escreve cartas para o marido e nessas cartas ela repassa a história do casal e do filho que eles tiveram, Kevin. Um dos segredos da estrutura é que ela logo de cara nos revela que Kevin foi responsável pela morte de sete pessoas no colégio dele poucos dias antes de completar 16 anos. Ou seja, ela diz ao leitor que este não é um livro que vai esconder o massacre escolar até a última hora. Pelo contrário, ela vai examinar a vida dessa família nos mínimos detalhes para revelar por que essas coisas aconteceram, tentando diagnosticar o que levou o filho a cometer um crime tão horrível. O pulo do gato é que ao levar o leitor a pensar que o romance é sobre os motivos do crime, ela pode esconder outras surpresas e só revelá-las na hora certa. Lionel Shriver consegue fazer em forma de livro o que The Sixth Sense faz no cinema, ou seja, se aproveitar das convenções do gênero para nos levar a certas conclusões e então, lá no final, arrancar o tapete sob nossos pés. O problema é que, se eu falar mais, vou entregar o livro. Mas para quem já leu, recomendo um podcast com a Lionel Shriver discutindo o Kevin no Guardian Book Club. Será um aperitivo antes da FLIP.

terça-feira, 8 de junho de 2010

O brinquedo de corda

Mais um trecho do meu primeiro romance, O Que Ficou Por Fazer.

Há uma espécie de vazio. Eu me vejo caindo nele quando não tenho cuidado, depois sair dele parece quase impossível. Isso será incompetência?

É difícil saber o que fazer. Essa tristeza constante e antiga me preenche. Há camadas e mais camadas dela, um poço profundo de lama. Ela se agarra a mim, inescapável, drena minha energia. Sou mesmo tão indefeso?
Eu devia ser mais. Tornei-me insignificante, pequeno. Não sou quem devia, quem queria ser. Meu medo me torna pequeno. Está lá, eu posso sentir, esse caroço duro escondido sob todas as camadas, me tornando pesado, fazendo com que seja impossível flutuar. Não entendo esse medo, só posso senti-lo.

Há coisas que não posso fazer. Gestos que morrem antes que a ideia esteja completamente formada. É isso o que meu medo faz. Ele cria paredes para se fechar em torno de mim. Sou mais indefeso do que esperava. O medo, o caroço têm todo o poder, eu não tenho nenhum.

É essa a pessoa que eu devia ser? Simplesmente ando em frente, trôpego, sem direção, sem maneira de me orientar. Não parecem haver caminhos. Só existe o oceano, nenhum sinal de terra. O quanto importa para que lado eu vou?

Sou esta coisa, este corpo, esta estranha coleção de desejos, humores, fantasias, dores. Uma máquina de carne. Fraca e ah, tão frágil, vulnerável a praticamente qualquer coisa. Eu insisto em bater na quina das mesas, tropeço nos próprios pés, arranho a cara nos espinhos.

Não sou quem pensei ser. Sempre volto a isso. O brinquedo de corda gira em torno de si mesmo. O caos deve reinar. A entropia vence. Nós somos quem somos. Fracos, indefesos, sempre em queda. Não há outro caminho.

Tudo vai dar certo

Acordo muito cedo e encontro meu cão Wilson deitado na cama, alegremente mastigando o lençol. O tempo está frio e reluto em sair da cama. Mas a turminha acordou animada hoje e para não morrer pisoteada por cães puladores, eu levanto. Há dias em que a felicidade é ver um focinho de cachorro querendo brincar com você. Hoje não é um desses dias. Quero ir para o centro, andar um pouco, me dar um pouco de liberdade. Tenho prazos a cumprir, trabalhos a entregar, mas volta e meia sinto necessidade de sair no meio do dia, no meio da semana, caminhar pela rua, livre. Há quem pense que ser freelancer é mole, mas a verdade é que você acaba trabalhando muito mais do que se tivesse um emprego fixo. Com o agravante de não ter férias remuneradas. Daí, para compensar, você se dá esses dias para sair, esquecer um pouco da pilha de coisas do lado do seu laptop ou que aquele pagamento que estava esperando ainda não bateu na sua conta. Uma exigência para ser freelancer é que você precisa ser inabalavelmente otimista. Tudo vai dar certo. Vai chegar mais trabalho, o pagamento será feito, vai pintar uma oportunidade genial, os cachorros não vão acabar com toda a sua roupa de cama. Sobrevivo há mais de 15 anos sendo otimista e vai continuar sendo assim. Tudo vai dar certo.

domingo, 6 de junho de 2010

No café


Adoro esta época do ano. Adoro o frio e dormir enrolada no cobertor. Gosto quando saio da Argumento à meia-noite depois de passar o dia inteiro escrevendo e caminhar para o mercado com aquela sensação de inverno no ar, passar pelos blocos de cimento que guardam a calçada pintados como se fossem tótens do Pacífico Sul por algum grafiteiro, as palavras ainda girando na minha cabeça, pedindo que eu escreva mais um pouco. E acho que essa época do ano tem tudo a ver com ficar sentado dentro de um café, escrevendo, olhando a vida passar na calçada pela janela. Claro que esse café imaginário se encontra em Paris ou Nova York. Nem na Travessa nem na Argumento posso ficar vendo a rua como gostaria. O mais perto que chego disso é quando vou ao Café Paraty na Rua do Comércio, sento numa das mesas perto de uma das portas e vejo o pessoal passando, indo ou voltando da Tenda dos Autores. Fico lá entre uma mesa e outra quando a espera é grande. Tomo uma Coca ou duas, escrevo, leio, espero, sou Clark Kent em toda a sua glória. Em dois meses eu estarei lá.

Um outro universo

Fechei a primeira metade do romance e recomecei a segunda metade. E fora a satisfação de estar vencendo mais uma etapa na escrita do romance, foi curiosa a sensação que tive ao fechar um caderno e abrir outro, foi como entrar em um outro universo. Passei da primeira família da minha história para a segunda e o clima é completamente outro. Ou pelo menos é assim na minha cabeça. Como ninguém leu nada do que escrevi até agora, posso estar redondamente enganada, claro. Vou ter de esperar até terminar a terceira versão antes de poder deixar que alguém veja alguma coisa. Por enquanto, tudo ainda está muito cru. Há muitas repetições, ainda falta muito da história da primeira família, sinto que preciso criar mais eventos. Tenho um caderno extra para pequenos trechos que ainda não sei onde vão se encaixar, mas foram coisas que me ocorreram e que precisei registrar antes que se perdessem. Tudo isso precisa ser digitado, lido, relido, digerido, reorganizado, remexido, corrigido. É uma trabalheira enorme e é assim que eu gosto. Não sou daquelas pessoas que precisa burilar cada palavra. Mas sinto que preciso acertar a emoção, o tom exato do texto. Quando eu acerto isso, fico feliz.
Hoje foi um dia em que o tempo me pareceu muito curto. Se eu não tivesse um compromisso amanhã, voltaria sem pestanejar à livraria para seguir trabalhando. Vai ter de ficar para a semana que vem. Paciência.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O meu lugar


Amanhã, estarei de volta ao meu lugar.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

A festa que não devia ter visto

No Natal, durante a ceia na casa do meu tio, desencavaram um vídeo muito antigo de uma festa de aniversário para os 70 anos do meu avô, que morreu há mais de 20 anos. A festa foi no antigo apartamento da Soares Cabral, em Laranjeiras. Eu vi o apartamento e me veio a lembrança clara de todo o apartamento, dos objetos que habitavam aquele apartamento. Foi lá que eu morei quando voltamos ao Brasil em 1977 antes de minha mãe conseguir alugar um apartamento para nós no Humaitá. Era para cá que eu vinha nas férias do colégio e tive uma sensação de perda quando o apartamento foi devolvido ao proprietário quando meu avô morreu.
No vídeo, o apartamento vai enchendo de gente. Meus tios e tias chegando, minha mãe e meu padrasto, os cumprimentos, os beijos no rosto. Meus primos, hoje adultos e casados e com filhos, eram crianças brincando no chão, o que curiosamente segue sendo a imagem que tenho deles. Todos, é claro, em seus modelitos dos anos 80. E foi estranho ver essas versões mais novas das pessoas da minha família, inclusive minha avó, que morreu há poucos anos. E foi ainda mais estranho porque nem eu nem meus irmãos estávamos nesta festa, estávamos viajando, visitando meu pai em Viena na época, e eu tinha a estranha sensação de estar vendo algo que não devia estar vendo, como se eu estivesse me intrometendo. Há alguns dias, Elvira Vigna disse em seu blog que famílias formam sua própria cultura. Lembrando esse velho vídeo, penso que ela tinha toda razão.