Há vários anos eu não fazia ideia do que era ter disciplina para escrever. Eu escrevia aqui ou ali, apenas quando tinha uma ideia. Até podia passar longas temporadas sem produzir nada. Muitas pessoas me disseram que eu nunca teria uma grande produção se eu não tivesse disciplina. Eu dava uma risadinha, acreditando que nunca encontraria essa disciplina. E aí quando comecei meu romance, aos poucos, eu achei a fórmula da minha disciplina. Sair de casa, ir para a Travessa, me isolar do barulho em volta com os fones de um MP3 player, basicamente carregar meu escritório e tudo de que preciso na minha mochila.
Uma amiga minha que é escritora já andava se lamentando comigo há tempos de não conseguir achar tempo para escrever. Eu disse a ela o que eu tenho dito a outras pessoas (e que também ouvi de outros escritores): sem disciplina não vai dar certo. Todo mundo tem uma vida enrolada, cheia de eventos, reclama que não tem tempo. Ao iniciar minha rotina de trabalho na Travessa, eu percebi algumas coisas. É uma espécie de receita para achar tempo para escrever.
Primeiro, você tem que se dar esse tempo para escrever. Se ficar esperando o tempo aparecer, vai ficar esperando para sempre. Decrete um horário ou dia sagrado para escrever. E com sagrado, quero dizer sagrado mesmo. Qualquer intrusão no ritual da escrita tem de ser considerada como uma blasfêmia. Este é um tempo para você, só para você e ninguém pode invadi-lo. Pode ser mãe, pai, marido, filho, cachorro amado, não interessa. É uma droga, você tem que ser egoísta, chato, antissocial, mas é uma coisa que, no fim das contas, vai ser para o seu bem porque vai te reconectar com algo que é essencial na sua existência.
Segundo, elimine distrações. Sei que parece doideira, mas eu me concentro melhor na livraria do que em casa. Simplesmente, sair de casa me afasta das distrações de TV, computador, Internet, cachorro, barulho de vizinho. Eu uso o MP3 player não só para cortar o ruído externo, mas também para criar um clima com a música. E isso meio que cria um mundinho que só existe na sua cabeça, te distancia do resto, te deixa mais propício para a escrita. Se você precisa do seu micro para escrever, então desligue a internet, desligue o celular, bote um aviso de "Do Not Disturb" na porta, qualquer coisa para evitar interrupções. Mas se puder, saia de casa. Não há nada melhor que a velha fórmula de um caderno e uma caneta e um copo de seja lá o que for que você goste de beber. Só não recomendo se encher de cerveja ou vinho. Não vai dar muito certo. Se bater na parede, leia um livro, dê uma volta, olhe a vizinhança. Eu muitas vezes uso detalhes do que vejo em volta para dar um gostinho a mais na cena.
Terceiro, não desista. Encontre as coisas que te deixam cheio de energia, com a cabeça a mil. Talvez leve um tempo para encontrar o encaixe certo de fatores. Mas uma bela hora tudo vai se acertar e você vai começar a escrever para valer. É que nem fazer exercício. Primeiro você fica ofegante depois de correr uma quadra, depois consegue correr três, quatro quadras, e quando vê está se inscrevendo na maratona. E quanto mais se escreve mais isso puxa outras ideias, como aqueles lenços amarrados que saem da cartola de mágico. Esse é que é o grande pulo do gato.
Quarto, divirta-se. Escrever deveria ser um prazer. Então mande ver e se divirta. Você vai ouvir críticas, vão te encher o saco, mas quem gosta de você vai entender. Então siga em frente e deixe os chatos falando sozinhos.
2 comentários:
Perfeito Anna, o ofício de escrever carece, de fato, da condição de isolamento, ainda que seja um ato masoquista, é preciso ilhar-se, para catar, juntar os fragmentos de escrita espalhados por mil guardanapos e outros pedaços de papéis perdidos nos entretenimentos dispersivos.Contudo, há deleite ainda que "o grande escândalo seja eu aqui e só". Saudações afetuosas.
Perfeito Anna Luisa, o ofício de escrever carece, de fato, de isolar-se, ilhar-se, para que se possa juntar os fragmentos da escrita espalhados por mil guardanapos e outros papéis afins.Ainda que seja um ato masoquista, depois da angústiae da ansiedade que precedem o prazer inefável da idéia nova, há o gozo e o deleite, ainda que "o grande escândalo seja eu aqui e só".
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