Às vezes, eu acho que poderia morar aqui. A arquitetura da cidade é interessante, tem trinta mil restaurantes (eu morro pela boca, né, gente?), muitos lugares para visitar. Mas eu fico esbarrando nessa coisa meio travada que tem aqui e desanimo um pouco. Parece que não há lugar para a informalidade, para a brincadeira. Todo mundo que me conhece sabe que não dá para me levar muito a sério, estou sempre brincando, fazendo piadas. Aqui o pessoal me leva a sério e isso é meio cansativo. Relaxa, gente, pelo amor de Deus, a vida não é para ser levada a sério. Você quer fotografa nos lugares e não pode. Que mal faz fotografar dentro da livraria ou do cinema. Só estou registrando o evento para mim mesma. E se eu fosse espiã, não estaria andando por aí com uma câmera tão grande. No Rio, eu fotografo aonde quero e ninguém me enche a paciência. Não acho lugares aqui que tenham a informalidade da Travessa. O mais perto que cheguei foi o Vanilla Café na Antonio Carlos onde ando fazendo ponto para trabalhar porque trabalhar no quarto de hotel é meio incômodo. Não tem mesa e eu acabo dormindo se trabalho na cama. Não, para escrever, eu preciso de um lugar como a Travessa, que não liga para o fato de eu me apossar de uma mesa por seis horas e só consumir quatro, cinco Cocas, uma ocasional porção de batata frita. Preciso de um lugar relaxado e anti-cricri. Acho que não vou achar isso aqui.
domingo, 31 de outubro de 2010
sábado, 30 de outubro de 2010
Amizade
Ontem passei uma noite agradável com uma amiga que mora aqui em São Paulo. Nós nos conhecemos no Rio, mas há alguns anos ela se mudou para a Pauliceia, o que eu pessoalmente lamento já que estamos mais próximas agora do que quando morávamos na mesma cidade. Ela até me hospedou aqui em Sampa durante um pedaço da Monstra e foi uma ótima experiência. Foi muito legal. Ela preparou um lanche para a gente, sentamos em volta da mesa, conversando, contei algumas das minhas histórias de festival. Lamentei muito quando nossa noite terminou porque eu teria alegremente passado mais algumas horas na sua companhia. Agora quero retribuir a gentileza e levá-la a um restaurante no Rio da próxima vez que ela for para aquelas bandas. Torço que a gente possa se ver ainda mais uma vez antes que eu volte para casa. De todo modo, a viagem já valeu pelos nossos dois encontros aqui. E, se eu voltar ano que vem, podemos nos reencontrar de novo.
Simpática
Uma moça hoje veio me perguntar antes da sessão se havia almofadas no cinema para ajudá-la a sentar mais alto na cadeira. Ela foi tão gentil e simpática que me deu pena ter de dizer que eu não trabalhava para o cinema, só para a legendagem e por isso não tinha essa informação.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
All we need is love?
Praticamente na frente do meu hotel tem um outro hotel, um pouco mais modesto, chamado Luver Hotel. Ele anuncia o preço de sua diária na porta. Mas eu desconfio que as pessoas não passem tanto tempo assim nele. Em frente ao Luver Hotel, uma igreja. As pessoas precisam de amor de todo tipo, não é?
Quem diria, acabei na Liberdade
Liberdade. Esse lugar já me pareceu mais com um país estrangeiro. No meu primeiro ano de Monstra, passei uns dois dias maravilhada com o que vi aqui. Aquelas lojas cheias de artigos que não sabia o que eram, escritas em japonês ou chinês ou tailandês. Você anda por uma loja e uma das vendedoras está atracada com um celular, falando em chinês, e é uma maravilha você não conseguir entender uma só palavra. Nada te dá mais a sensação de estar longe daquilo que se conhece do que se ver cercado por uma língua estrangeira. Mas agora que estou tendo aulas de culinária asiática e fazendo compras pelo menos uma vez por mês em mercados de produtos orientais, parte do mistério sumiu. Eu sei o que são aqueles produtos, reconheço o maço de bok choi, admiro os lindos maços de cebolinha nas mercearias. Almocei no mesmo restaurante tradicional onde fui há dois anos. Desta vez a clientela estava mais ocidental (na época eu era a única mulher caucasiana, fora as duas garçonetes, em um mar de executivos de descendência japonesa), mas a comida continua farta e gostosa. Ainda quero voltar um dia para comprar um novo wok para mim, um com tampa. Não consegui me decidir, mas achei alguns ingredientes que não consigo achar no Rio e comprei uma certa quantidade para levar de volta comigo. Desconfio que terei de comprar uma caixa e despachar algumas coisas como bagagem em vez de tentar atochar tudo na mala como fiz ano passado. Quase arrebentei o fecho. Não vou repetir o feito. Finalmente comecei a tirar fotos da cidade e pretendo continuar nesta última semana da Monstra. Meu olho fotográfico está começando a encaixar. Estou fazendo umas experiências interessantes que pretendo continuar amanhã, sábado. Quero andar um pouco pela Paulista. Fico sempre para fazer isso, mas nunca consigo, e sempre que quero, está um calor absurdo. Mas como estão prevendo um fim de semana de chuva, lá vou eu.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Pílulas de São Paulo
Pela primeira vez na vida vi um curta sumir. Minha sessão seria composta de um curta e um longa metragem. Fico com o arquivo do curta no ponto para lançar e... cadê o curta? Passam direto para o longa. Achei estranho, mas já vi acontecer algumas vezes. Invertem a ordem natural de curta+longa. Carrego correndo as legendas do longa e seguimos em frente. Só que quando é para o curta começar, nada. Vou para a cabine de projeção e descubro que o curta não está no cinema. Passam rádios para lá e para cá e o curta continua desaparecido. O público esperou um tempo, depois foi embora e eu pensei, beleza, mais um tempinho para trabalhar nos meus outros arquivos. Passou mais um tempo e acharam o curta. Onde estava, quem sumiu com ele, eu não sei, não perguntei, não queria parecer intrometida. De repente, essas coisas podem ser muito pessoais. De todo modo, passou-se o curta e tudo teve um final feliz. No Rio, terminada a sessão, botam todo mundo para fora sem choro nem vela, mesmo que o espectador vá ficar para a próxima. Aqui, deixam ficar e aí tem toda a trabalheira de conferir o ingresso, verificar o banheiro para ver se não tem ninguém escondido. Numa cidade onde tradicionalmente todo mundo é bem cricri, acho essa atitude estranha, mas cada louco com sua mania. No final de uma sessão, estou a caminho do banheiro para o pipi preventivo quando a coordenadora da sala me diz que um espectador veio reclamar que eu fiquei falando ao celular durante o filme. Foi mais ou menos a mesma coisa que me acusarem de sair voando de vassoura sobre a Avenida Paulista. A sessão em questão, inclusive tinha sido difícil, exigindo toda a minha concentração já que as legendas na cópia vinham em francês. O lançamento de legendas exige muita concentração e a menor distração pode fazer com que você perca legendas, como alguém perguntando onde é o banheiro ou onde fica a saída ou quanto tempo ainda falta para o filme terminar. Não sei como alguém que eu estivessa falando ao celular, ainda mais porque eu fico bem no cantinho da sala. O mais provável é que fosse alguém ali perto do espectador incomodado, mas eu acabei levando a culpa.
Estou começando a receber perguntas sobre meu trabalho ao final das sessões. Acho que o pessoal ficou mais corajoso no final da primeira semana. Mas ainda estou esperando pela primeira anta que vai me perguntar se eu traduzo o filme na hora. Sempre tem. Todo ano. Na outra noite, a caminho do hotel, vi um sujeito pulando o muro de uma casa. Fiquei olhando, tentando lembrar qual o número da polícia aqui em São Paulo (na prática, não sei qual o número no Rio), mas não foi necessário dar uma de boa cidadã. O sujeito pulou o muro de novo e deixou a casa.
Fui conferir um restaurante chamado Temakeria que serve, adivinha, temakis. Temakis gigantes, aliás. Me lembrou um pouco aquele programa que fala de comida gigante, o Man vs Food, só que bem mais refinado. Muito bom. O temaki de enguia é delicioso. Fica na Oscar Freire, perto da Augusta. Se eu puder, vou voltar lá antes de viajar de volta para o Rio.
Estou começando a receber perguntas sobre meu trabalho ao final das sessões. Acho que o pessoal ficou mais corajoso no final da primeira semana. Mas ainda estou esperando pela primeira anta que vai me perguntar se eu traduzo o filme na hora. Sempre tem. Todo ano. Na outra noite, a caminho do hotel, vi um sujeito pulando o muro de uma casa. Fiquei olhando, tentando lembrar qual o número da polícia aqui em São Paulo (na prática, não sei qual o número no Rio), mas não foi necessário dar uma de boa cidadã. O sujeito pulou o muro de novo e deixou a casa.
Fui conferir um restaurante chamado Temakeria que serve, adivinha, temakis. Temakis gigantes, aliás. Me lembrou um pouco aquele programa que fala de comida gigante, o Man vs Food, só que bem mais refinado. Muito bom. O temaki de enguia é delicioso. Fica na Oscar Freire, perto da Augusta. Se eu puder, vou voltar lá antes de viajar de volta para o Rio.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
No meio do caminho
Final da primeira semana e parece que cheguei em São Paulo há um mês. Cada dia é muito longo e muito curto ao mesmo tempo. É fácil me sentir perdida nesta cidade enorme. Saudades do Rio e das ruas planas e sem ladeiras. Continuo gostando da arquitetura, da variedade desta cidade, mas eu realmente adoraria que passassem a cidade a ferro para ela ser toda plana, num nível só. Eu andaria com muito mais prazer assim. Saudade dos meus cães também. Aqui não vejo muitos cachorros, mas me dá vontade de me agarrar a todos que avisto. Agora na reta final tenho menos sessões por dia e dá para fazer mais coisas. É assim que eu gosto. Agora vamos rumo à sexta que vem e a volta para casa.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Água
Ocasionalmente, ter um espírito de explorador não compensa. Eu vim a São Paulo com o desejo de conhecer alguns lugares específicos. A Livraria da Vila era uma delas. Sempre vou no estande deles em Paraty e finalmente me ocorreu que eu poderia conhecer a verdadeira aqui na cidade. Pela Internet, eu descobri que havia uma filial da livraria há poucas quadras do cinema onde eu iria passar minha tarde e como eu tinha um buraco de uma sessão, resolvi aproveitar esse tempo livre para conhecer o local. E a livraria é legal. Ela me sugere uma Livraria da Travessa só que sem o charme de Ipanema. Ou o seu tamanho. Se bem que as grandes podem estar mais ao sul ou no shopping. Não sei. O legal foi que achei dois livros ingleses que eu queria muito. Ou seja, mais uma vez, vou sair de Sampa com trinta mil livros na bagagem. Sentei um pouco no café modesto para tomar uma Coca porque eu estava com sede de tanto andar. O que me pega aqui não são as distâncias, são as ladeiras. Eu ando as mesmas distâncias no Rio sem problema. Acho que eu teria de morar aqui para me acostumar com esse sobe e desce constante. Meus músculos não estão acostumados a isso. De todo modo, a má notícia veio quando eu fui voltar para o cinema para minha última sessão do dia. Estava chovendo. Bastante. E na ladeira na Rua Augusta, a água que descia mais parecia uma corredeira. Eu não podia subir aquela ladeira no meu passo normal. Eu tinha de ir no mesmo passo de devagar e sempre que adoto aqui em São Paulo para não morrer botando os bofes pela boca. Resultado, eu voltei ao cinema como se tivesse passado por um dilúvio. Estava molhada até a calcinha. As pessoas no saguão de espera me olhavam como se eu tivesse caído na piscina de roupa enquanto passava a caminho do banheiro. E o dia começou com um céu azul completamente sem nuvens. Mas a lição foi aprendida. Hoje, com um dia meio nublado, eu saio do hotel com meu guarda-chuva. Duas vezes, não.
domingo, 24 de outubro de 2010
Adrenalina
Tá, vamos admitir. O lançamento de legendas é uma das atividades mais estranhas concebidas pelo homem moderno. Você senta dentro de um cinema escuro com um laptop no colo, apertando um botãozinho que vai causar a projeção de uma legenda na tela de cinema. E é uma atividade manual, ainda por cima. Você precisa ficar alerta o filme todo (o que pode ser muito difícil, acredite) para apertar aquele botãozinho para cada santa legenda. Se você está odiando o filme, se quer cometer hara kiri ou se lançar do balcão sobre a plateia cinéfila lá embaixo em protesto, não pode. Você é obrigado a lançar as 900, 1034, ou 457 legendas do filme. Tradicionalmente, existe uma razão inversa entre a quantidade de legendas e a chance de você odiar o filme. Quanto menos legenda, mais provável é que esse será daqueles filmes que é uma bomba do início ao fim e promove desejos quase que incontroláveis de matar o infeliz diretor. Pela primeira vez em 13 festivais, eu chamei minha mãe para ver um filme que eu estava lançando. Custou um pouco, mas ela veio. Expliquei a ela o meu trabalho e, no final da sessão, tive a nítida sensação que ela estava com uma cara de "jura que é isso que você faz todo ano?". Porque tem uma coisa de absurdo nisso. Mas, ao mesmo tempo, tem um suspense, uma adrenalina. Esportes radicais não são comigo. Se vir alguém que se parece comigo andando de skate, fazendo alpinismo ou pulando de paraquedas, por ter certeza, não sou eu (ou então surtei e preciso ser internada no hospício). Lançar legendas é meu esporte radical. Nunca se sabe o que vai acontecer durante uma sessão. Vai dar algum pau, o filme foi editado mais uma vez e não bate mais com o DVD que receberam, a lâmpada do projetor vai estourar do seu lado ou o laptop vai dar pau? Nunca se sabe. Adrenalina. Por isso, ano após ano, lá estou eu, lançando filmes. Tacadora de legendas quase que desde o berço. E com muito orgulho.
Fazendo ao vivo
A grande verdade é que a maioria das pessoas não sabe o que estamos fazendo dentro da sala de cinema. Eu me lembro de quando colocavam a mesa do lançador na passagem do Unibanco 2 e na saída das sessões, muita gente ficava me olhando ali sentada como se eu fosse uma alienígena. Minha função é muito simples, eu lanço cada legenda do filme manualmente enquanto o filme está correndo. Mais nada. É como fazer a marcação do tempo de um filme, só que ao vivo. Tinha aquela frase do Faustão, "Quem sabe, faz ao vivo". E é isso o que os audazes tacadores de legenda fazem. O problema acontece quando a pessoa com quem você está lidando não sabe o que você faz. Então querem que você mexa na altura da legenda no meio da sessão, querem saber comigo onde está sentado o diretor do filme enquanto estou lançando, perguntam a hora, pedem para baixar o ar, aumentar a luminosidade da projeção, reclamam da seleção de longas daquele ano e sei lá mais o quê. Ontem reclamaram comigo que eu estava falando ao celular durante a sessão. Eu não entendi nada. Pra começo de conversa, meu celular não tocou a sessão inteira. Sem falar que é inviável conversar com alguém durante uma sessão, seja pelo celular ou ao vivo. Qualquer papo atrapalha sua concentração e você perde legendas. As pessoas devem achar que o tacador aperta um botão e o resto é automático. Não é o caso. O audaz tacador realmente tem de ficar acordado e alerta durante o filme todo, mesmo querendo cortar os pulsos depois dos primeiros cinco minutos, o que é uma ocorrência bem comum, eu garanto. Bom, hoje teremos mais sessões para enfrentar num cinema que não conheço. E, graças a Deus, saio cedo do cinema hoje e vou poder jantar numa hora decente. Estou com saudade de um bom kebab de cordeiro.
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