domingo, 28 de fevereiro de 2010

Muito a dizer

Sigo lendo o novo romance de Elvira Vigna, Nada a Dizer. E lendo com uma fome que há muito tempo não sinto por qualquer outro romance. Pois o livro é do cacete. Repito, o livro é do cacete. Reproduzo aqui mais um trecho desse livro fantástico.

Levantei.

Ele acordou.

Entreolhamo-nos, e saí do quarto.

Voltei para o sofá, onde sentei sem acender a luz. Fiquei olhando a árvore que balançava seus movimentos indiferentes, iguais nessa noite aos de três meses atrás, quando num dia 7 de dezembro também fiquei a olhar para eles, tentando entender o que não era possível entender -- o descompasso.

Achei que Paulo ia se levantar atrás de mim, sentar a meu lado. Que iria me beijar, e que então eu iria chorar, e que o novo dia começaria nessa hora. E que, ao contrário de tantos outros dias, eu iria conseguir notar, eu saberia exatamente o que acontecia, eu conseguiria notar, entender, escutar, as palavras ditas perto de mim, os sons e os gestos, eu saberia exatamente a função e a importância de cada novidade ou cada coisa já antiga que desse dia fizesse parte.

Paulo não veio.

Mais regras

Mais regras para escrever ficção. Desta vez, da Jeanette Winterson.

1 Turn up for work. Discipline allows creative freedom. No discipline equals no freedom.

2 Never stop when you are stuck. You may not be able to solve the problem, but turn aside and write something else. Do not stop altogether.

3 Love what you do.

4 Be honest with yourself. If you are no good, accept it. If the work you are ­doing is no good, accept it.

5 Don't hold on to poor work. If it was bad when it went in the drawer it will be just as bad when it comes out.

6 Take no notice of anyone you don't respect.

7 Take no notice of anyone with a ­gender agenda. A lot of men still think that women lack imagination of the fiery kind.

8 Be ambitious for the work and not for the reward.

9 Trust your creativity.

10 Enjoy this work!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Descobertas

Escrevendo uma das últimas cenas da minha quarta personagem no novo romance, ocorreu uma coisa muito rara. Encontrei a chave para entender a personagem e toda a sua trajetória no livro. Claro que isso significa ter de reescrever tudo, mexer em um monte de coisas, mas quando acende uma luzinha na minha cabeça, não costumo discutir comigo mesma. Eu precisava encontrar uma maneira de diferenciá-la do personagem do irmão e não estava encontrando a solução até esta tarde. Escrever às vezes pode se parecer com jogo de futebol, com viradas no placar no último instante.
Como brinde, enxerguei um caminho para escrever as duas cenas de ligação que eu queria incluir. Mas essa é uma coisa que eu explico outra hora.
Amanhã vou voltar para a livraria e fechar a quarta parte do romance e, consequentemente, a primeira versão. A próxima etapa será reescrever tudo para a segunda versão. Agora vai começar o trabalho duro.

Nada a dizer

Nada a Dizer, novo romance de Elvira Vigna. Um trecho:

Não é fácil o caminho até o sexo.

Principalmente quando se imagina um sexo desavergonhado, bruto, sem prolegômenos e o que se tem em frente é a cara bem conhecida de uma velha amiga e colega de profissão. Pois Paulo e N. se conheciam havia cinco anos.

Não é fácil. A que horas daria para dizer Agora vira e abre bem as pernas. A que horas daria para dizer Então vamos.

"Então vamos."

E a realidade nunca está à altura.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Not even the rain has such small hands

Hannah e Suas Irmãs é um filme que eu amo. Quando passou nos cinemas nos anos 80, eu vi o filme umas 13, 14 vezes. Sem exagero. Ele passou um ano em cartaz no falecido Cinema Lido no Flamengo e, de tempos em tempos, eu ia lá passar uma tarde na companhia de Woody Allen. Ainda vi o filme mais não sei quantas vezes em vídeo e na TV a cabo. Gostava tanto do filme que roubei a ideia daqueles títulos entre as cenas para uma novela minha que escrevi nessa mesma época.
Ontem, olhando o blog da Patrícia Reis, dei de cara com um post de uma cena do Hannah que eu sempre gostei muito. É a cena em que leem um poema do e.e. cummings. Não sou nem nunca fui muito afeita a poesia, mas este poema é de uma beleza que consegue furar até o meu forte bloqueio contra poesia. Portanto, este é um roubo explícito. Obrigada, Patrícia. Com vocês, Hannah e Suas Irmãs e e.e. cummings.

somewhere i have never travelled, gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully, mysteriously) her first rose

or if your wish be to close me, i and
my life will shut very beautifully, suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility: whose texture
compels me with the color of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens; only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody, not even the rain, has such small hands



quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Da delicadeza de um prendedor de roupa

Ao vasculhar esse maravilhoso mundo virtual dos blogs, eu ocasionalmente encontro coisas geniais. Uma delas é o blog da Mariana Newlands. Ela é uma programadora visual cujo trabalho eu já tinha admirado nas capas de vários livros. Não é um blog de texto. Ela coloca desenhos, exemplos de seu trabalho e as fotos deslumbrantes que ela tira de coisas que normalmente não são fotografadas. Nestes últimos dias, ela tem postado mais dessas fotos lindas e eu fico maravilhada com a capacidade dela de tornar luminosas coisas simples como uma bolsa ou prendedores de roupa. O link para o site dela é este.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Minhas regras para escrever ficção

Pensei em elaborar minhas próprias regras para escrever ficção, mas só o que me ocorreu foi 1) aprenda a ignorar aquele pessoal que te olha como se você fosse um alienígena ali escrevendo e 2) não esqueça de levar dinheiro para pagar a conta do café ou podem botar você para fora de vez. De resto, tudo o que faço é ler para cacete e escrever sempre que possível. Mais do que isso é desnecessário.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

10 regras para escrever ficção

O jornal inglês The Guardian pediu a vários escritores que listassem suas regras para escrever ficção tomando como modelo as dez regras de Elmore Leonard. O elenco é de primeira. Margaret Atwood, Neil Gaiman, PD James, Anne Enright, David Hare e muitos outros. Tem um pouco de tudo, desde escritores recomendando que se levem dois lápis para escrever num avião a gente que diz que não se deve ter medo de ousar a outros que sugerem pedir que uma pessoa amiga leia seus originais (desde que não seja seu namorado ou namorada porque aí pode dar em briga). As regras que eu mais curti, e que mais se parecem com as regras que eu teria, são as do Neil Gaiman e que eu reproduzo abaixo. O resto da matéria você encontra aqui.

1 Write.

2 Put one word after another. Find the right word, put it down.

3 Finish what you're writing. Whatever you have to do to finish it, finish it.

4 Put it aside. Read it pretending you've never read it before. Show it to friends whose opinion you respect and who like the kind of thing that this is.

5 Remember: when people tell you something's wrong or doesn't work for them, they are almost always right. When they tell you exactly what they think is wrong and how to fix it, they are almost always wrong.

6 Fix it. Remember that, sooner or later, before it ever reaches perfection, you will have to let it go and move on and start to write the next thing. Perfection is like chasing the horizon. Keep moving.

7 Laugh at your own jokes.

8 The main rule of writing is that if you do it with enough assurance and confidence, you're allowed to do whatever you like. (That may be a rule for life as well as for writing. But it's definitely true for writing.) So write your story as it needs to be written. Write it ­honestly, and tell it as best you can. I'm not sure that there are any other rules. Not ones that matter.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O esporte de assistir esportes

Também aproveitei o carnaval para assistir aos eventos das Olimpíadas de Inverno e me descobri fascinada por um esporte que parece tudo menos esporte: o curling. Curling é aquele esporte em que dois times ficam deslizando umas pedras grandes de granito numa pista de gelo para acertar um alvo. Parece com uma versão gelada da bocha. O pessoal da TV fica descrevendo o jogo como o xadrez do gelo. E após assistir a várias partidas do time do Canadá, começo a entender por quê. Cada jogada é pensada cuidadosamente, as pedras lançadas com precisão. Não é um jogo de força ou velocidade. O que vale é a inteligência e o jeito. Eu ando torcendo pelo Canadá. Aliás, estou torcendo pelo Canadá em tudo. É um país simpático com uma torcida animada. Fui com a cara deles.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Woking, woking

Não era para eu gostar de cozinhar. Dá trabalho, tem de lavar louça depois, é quente. Mas de repente me converti em dona de casa que valorosamente enfrenta o fogão noite após noite. Não dou descanso para meu wok. É meio estranho, nem parece que sou eu. Nem tudo dá certo, no entanto tenho acertado mais do que errado. Estou experimentando receitas dos livros que comprei, as mais simples naturalmente. Depois imagino que vá passar para as mais complexas. Por enquanto estamos nesse pé.