quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Saída pela esquerda

Harlan Ellison, um autor americano que eu adoro, já disse que o autor despista o leitor quando parece estar convidando-o a passear pela vida particular dele. Passei muito tempo sem realmente entender essa frase. Não no sentido intelectual, bidu, qualquer um entende essa frase, mas como algo que você experimenta pessoalmente.
Escrevendo o primeiro romance, eu me toquei que o trabalho do escritor se assemelha ao trabalho do ator. Você pega as emoções que já sentiu na sua vida e as aplica ao que escreve. De tanto assistir Inside the Actor's Studio, sabia racionalmente que era isso o que acontecia. O que fez a ficha cair para mim foi um dia ter o privilégio de ver esse processo acontecer na minha frente. Assistindo à gravação de uma novela, vi uma atriz parada num canto do cenário, concentrada. Ela tinha de gravar uma cena em que conta aos filhos que vai se separar do marido. Sentei diante dos monitores que mostravam o cenário, num cantinho escondido atrás do set, e de lá dava para ouvir a atriz chorando antes mesmo da cena começar. Ela tinha relembrado uma emoção tão poderosa que estava difícil controlá-la. Mesmo depois de gravada a cena, ela levou um tempo para se recompor. É uma coisa que eu nunca esqueci.
No caso do escritor, o detalhe é que ao pegar a emoção que você sentiu numa certa circunstância e jogá-la em outro contexto, ela vira ficção. Você também aproveita e usa essas emoções para ficar no lugar de outras. A perda de um amigo pode fazer as vezes da perda de um pai ou uma mãe ou o nervosismo que precede rever um membro da família que não se vê há muito tempo pode tomar o lugar da espera amorosa. Nem tudo é o que parece ser.
O que pode parecer um contrassenso é que eu automaticamente instalo um filtro entre a emoção e eu enquanto escrevo. Desconfio que alguma distância seja necessária para não deixar que eu perca o controle da narrativa. O que não quer dizer que não haja ocasiões em que eu me surpreenda com o que escrevo. Mas por mais instintivo que seja o meu processo de escrever, sempre tem uma parte de mim que está vigiando, garantindo que eu não perca o caminho.

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