domingo, 28 de março de 2010
Engrenada
sábado, 27 de março de 2010
Infiltração
Não sei se quero imaginar esse último mês e a decisão que ele tomou. Como alguém pode tomar essa decisão? Não há como segui-lo até o fim. Meu irmão teria de seguir sozinho, nesse que foi seu estado natural. Ele nunca deixou que nós o acompanhássemos. Ele não quis contar tudo até o fim, talvez não conseguisse, vai me deixar aqui sem saber, tendo de adivinhar.
Agora que cheguei ao fim, quero voltar ao começo, ler os primeiros diários, trazê-lo de volta à vida de certo modo, não deixar que ele suma na escuridão. Sei que este projeto que criei para mim mesma nunca será realmente concluído, haverá sempre mais alguma coisa para examinar, dissecar. Suas cartas, seus contos, cada vírgula em cada diário. Sempre haverá algo que ficou por fazer, alguma tarefa inacabada, uma frase não compreendida.
Sei que, com o tempo, pouco a pouco, verei meu irmão se infiltrando em mim e nos tornaremos um só. Eu falarei na voz dele e ele se moverá com o meu corpo e eu talvez escreva a história dele no mesmo tom melancólico que ele usava em todos os contos. É assim que ele vai sobreviver, meu irmão, meu quase gêmeo, a outra metade que nunca pensei ter. E terei de viver o maior tempo possível para que ele viva e envelheça junto comigo neste novo futuro que descobri para mim mesma e viveremos felizes para sempre.
Prazeres
Infância
Quando eu era criança, a felicidade podia ser encontrada em algo tão simples quanto uma barra de chocolate, um picolé. Lembro-me de descer correndo as escadas com uma nota de um cruzeiro na mão, atravessar a rua e comprar um picolé com o sorveteiro da esquina. O nome dele era Milton e bastava ele me ver chegando para já ir estendendo um Chicabon em minha direção. Não sei por que ainda guardo o nome dele quando agora pareço ser incapaz de lembrar o nome do garçom do restaurante da esquina aonde vou quase todo dia.
Se tinha acabado o Chicabon, também havia o Eskibon (se Graça é viciada em Coca-Cola, eu sou tarado por chocolate em todas as suas formas) e se eu tinha alguns trocados sobrando, comprava chiclete. Sabor tutti-frutti, naturalmente. Milton conhecia todas as minhas preferências, sempre me atendia com um sorriso. Muitos anos depois, eu o vi trabalhando como cobrador em um ônibus. Ele já não sorria mais e não reconheceu seu cliente mais fiel.
Quando você é criança, a felicidade reside na satisfação de dar a primeira mordida no picolé de chocolate, em conseguir fazer uma bola de chiclete, em ganhar do Papai Noel aquela roupa de Batman que você tanto queria. Você está cercado por objetos que lhe dão prazer. A felicidade pode ser catalogada, como na coleção de bonecas de sua irmã, arrumada perfeitamente na prateleira acima da cama, é mais um item no cinto de utilidades. Ela tem dimensões exatas, é palpável e sempre pode ser ampliada com mais acréscimos ao acervo. Adultos, continuamos nos apegando aos objetos. O inventário da alegria, no entanto, é mais incerto, sujeito a perdas que não se sabe direito como calcular.
segunda-feira, 22 de março de 2010
The day after
domingo, 21 de março de 2010
Rastro
sábado, 20 de março de 2010
Sobrevivência
Diante de tantos, tão variados e tão interessantes comentários ao post que fiz sobre a escrita como forma de sobrevivência, queria lembrar aqui algumas coisas:
Muitos dos maiores compositores da história da música sobreviviam de seu trabalho e realizaram obras primas por encomenda. Mozart, um deles, escreveu concertos belíssimos para flauta, um instrumento que ele odiava visceralmente, por encomenda. Uma vez lhe pagaram para escrever um concerto para flauta e harpa e ele reclamou, numa carta, do quanto estava sofrendo tendo que compor para os dois instrumentos que mais detestava. Tocamos e ouvimos esses concertos até hoje tirando o chapéu para o compositor. Muitos pintores, escultores e provavelmente todos os arquitetos trabalharam, se não com um mecenas bancando o que faziam, pelo menos com gente encomendando suas obras. O teto da Capela Sistina. O Balzac de Rodin. Uma lista infinita. Essas obras e esses artistas deveriam ser considerados “menores” porque se “renderam ao sistema”? Dizem que Dostoiévski escreveu muita coisa para pagar as dívidas que contraía nos jogos. Pixinguinha e seus Oito Batutas saíram em turnê pela Europa nos anos vinte bancados por Eduardo Guinle.
Precisamos acabar com os nossos preconceitos e com um purismo que não significa nada nem leva a lugar nenhum.
Uma outra discussão, que não deve se confundir com essa, é como fazer com que mais pessoas tenham acesso à arte, à cultura, aos livros. O que deveria ser direito de todos e não privilégio de uma minoria letrada. Mas isso não tem nada a ver com o direito moral que as pessoas que fazem arte têm de sobreviver dela. Alguém sugere aos médicos que eles atendam as pessoas de graça porque o sistema de saúde pública não funciona, e porque a medicina deveria ser desprendimento e doação, e porque é moralmente errado vender a cura? Que médico médico-mesmo, merecedor da herança de Hipócrates, deveria atender de graça e ganhar dinheiro fazendo outra coisa nas horas vagas? Ou pensamos que sim, os médicos devem ganhar pelo seu trabalho e sim, todo mundo deve ter acesso ao atendimento? São duas questões distintas e duas batalhas distintas.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Não me deixe
quinta-feira, 18 de março de 2010
Indócil
quarta-feira, 17 de março de 2010
Viver de escrever
terça-feira, 16 de março de 2010
Mais rituais
segunda-feira, 15 de março de 2010
Os rituais dos outros
domingo, 14 de março de 2010
A melhor livraria do mundo
Burilando
sábado, 13 de março de 2010
O futuro
sexta-feira, 12 de março de 2010
Sexta à noite
Who watches the watchmen?
quinta-feira, 11 de março de 2010
Day by day
domingo, 7 de março de 2010
As ferramentas da profissão
Writers displace their anxiety on to the tools of the trade. It's better to say that you haven't got the right pencil than to say you can't write, or to blame your computer for losing your chapter than face up to your feeling that it's better lost. It's not just writers who muddle up the tools with the job. The reading public also fetishises the kit.
Das alegrias de se ter um cachorro chamado Wilson - 3
Afogada
quinta-feira, 4 de março de 2010
Das alegrias de se ter um cachorro chamado Wilson - 2
quarta-feira, 3 de março de 2010
Das alegrias de se ter um cachorro chamado Wilson
terça-feira, 2 de março de 2010
Linguagem
Falávamos e falávamos outra vez, num bordado que repegava o que já havia sido dito e redito muitas vezes, para que fosse dito outra vez. Na esperança de que o desvio de uma vírgula, de uma nova palavra, nos levasse além da linguagem. A linguagem sendo o espaço construído em meio a um vazio, construído para que tentássemos entender, quadricular, estruturar esse vazio que estava, contudo, sempre do lado de fora dessa construção. Tentávamos apreender o que a linguagem não apreende, e o fazíamos através da linguagem, nosso único quarto, tão exíguo quanto o de um motel.