sábado, 27 de março de 2010

Infiltração

Mais um trecho do meu romance O Que Ficou Por Fazer:

Não sei se quero imaginar esse último mês e a decisão que ele tomou. Como alguém pode tomar essa decisão? Não há como segui-lo até o fim. Meu irmão teria de seguir sozinho, nesse que foi seu estado natural. Ele nunca deixou que nós o acompanhássemos. Ele não quis contar tudo até o fim, talvez não conseguisse, vai me deixar aqui sem saber, tendo de adivinhar.

Agora que cheguei ao fim, quero voltar ao começo, ler os primeiros diários, trazê-lo de volta à vida de certo modo, não deixar que ele suma na escuridão. Sei que este projeto que criei para mim mesma nunca será realmente concluído, haverá sempre mais alguma coisa para examinar, dissecar. Suas cartas, seus contos, cada vírgula em cada diário. Sempre haverá algo que ficou por fazer, alguma tarefa inacabada, uma frase não compreendida.

Sei que, com o tempo, pouco a pouco, verei meu irmão se infiltrando em mim e nos tornaremos um só. Eu falarei na voz dele e ele se moverá com o meu corpo e eu talvez escreva a história dele no mesmo tom melancólico que ele usava em todos os contos. É assim que ele vai sobreviver, meu irmão, meu quase gêmeo, a outra metade que nunca pensei ter. E terei de viver o maior tempo possível para que ele viva e envelheça junto comigo neste novo futuro que descobri para mim mesma e viveremos felizes para sempre.

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