sábado, 20 de março de 2010

Sobrevivência

Adriana Lisboa postou um texto excelente no seu blog para complementar o post a respeito de viver de escrever. Gostei tanto que reproduzo o texto aqui embaixo.

Diante de tantos, tão variados e tão interessantes comentários ao post que fiz sobre a escrita como forma de sobrevivência, queria lembrar aqui algumas coisas:

Muitos dos maiores compositores da história da música sobreviviam de seu trabalho e realizaram obras primas por encomenda. Mozart, um deles, escreveu concertos belíssimos para flauta, um instrumento que ele odiava visceralmente, por encomenda. Uma vez lhe pagaram para escrever um concerto para flauta e harpa e ele reclamou, numa carta, do quanto estava sofrendo tendo que compor para os dois instrumentos que mais detestava. Tocamos e ouvimos esses concertos até hoje tirando o chapéu para o compositor. Muitos pintores, escultores e provavelmente todos os arquitetos trabalharam, se não com um mecenas bancando o que faziam, pelo menos com gente encomendando suas obras. O teto da Capela Sistina. O Balzac de Rodin. Uma lista infinita. Essas obras e esses artistas deveriam ser considerados “menores” porque se “renderam ao sistema”? Dizem que Dostoiévski escreveu muita coisa para pagar as dívidas que contraía nos jogos. Pixinguinha e seus Oito Batutas saíram em turnê pela Europa nos anos vinte bancados por Eduardo Guinle.

Precisamos acabar com os nossos preconceitos e com um purismo que não significa nada nem leva a lugar nenhum.

Uma outra discussão, que não deve se confundir com essa, é como fazer com que mais pessoas tenham acesso à arte, à cultura, aos livros. O que deveria ser direito de todos e não privilégio de uma minoria letrada. Mas isso não tem nada a ver com o direito moral que as pessoas que fazem arte têm de sobreviver dela. Alguém sugere aos médicos que eles atendam as pessoas de graça porque o sistema de saúde pública não funciona, e porque a medicina deveria ser desprendimento e doação, e porque é moralmente errado vender a cura? Que médico médico-mesmo, merecedor da herança de Hipócrates, deveria atender de graça e ganhar dinheiro fazendo outra coisa nas horas vagas? Ou pensamos que sim, os médicos devem ganhar pelo seu trabalho e sim, todo mundo deve ter acesso ao atendimento? São duas questões distintas e duas batalhas distintas.

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