sábado, 12 de dezembro de 2009

Aérea

Volta e meia sou forçada a reconhecer que não vivo neste mundo real de todo dia. Eu habito minha própria dimensão, uma ligeiramente deslocada desta aqui. Não é à toa que, há muitos anos, meus amigos me deram bóias no meu aniversário porque eu "vivo boiando".
Lançando um filme durante o Festival do Rio, encontro uma dica que diz "ignore o pancadão". Eu espero ver uma briga. Quando a atriz do filme bota para tocar um funk com uma batida bem forte, a ficha cai. Pancadão é isso. Outro filme, outro dia. A dica diz, "aparece o Caio Blat". E eu, encarrapitada no balcão do Odeon, me pergunto, "Quem é Caio Blat?" Surge um sujeito que começa a falar. Esse deve ser o Caio Blat. Se eu o visse na rua, não saberia quem é. Não assisto à TV aberta, não vejo novelas há dois séculos. Não conheço nenhum desses atores novos. Caio Blat aparece em outro filme no mesmo festival. Não parece ser a mesma pessoa, mas já que estão dizendo que é ele, eu aceito. E semana passada eu saí inocentemente no domingo para escrever na Travessa e depois, como é meu hábito, fui jantar no Leblon. Para quê? Dei de cara com hordas tomando as ruas, bloqueando o trânsito. Eu não fazia a menor ideia de que era a final do campeonato naquele dia. Não presto atenção no noticiário esportivo. Eu só sei que vai ter uma Copa do Mundo porque o ufanismo aqui que é tanto que nem eu consigo ficar alheia a isso. (Aliás, desconfio que 2014 e 2016 serão anos insuportáveis por causa do ufanismo geral que tomará conta do país.)
Sentada na varanda de um restaurante ontem, esperando chegar minha comida, eu tinha a nítida impressão de ser uma pessoa diferente na rua do que sou em casa. Meu olhar é diferente, mais atento e, ao mesmo tempo, distante. É como se fosse meu olhar de estrangeira. É aquele que se foca nos menores detalhes das pessoas em volta, pequenos momentos reveladores. Para a escritora, esses são os mais interessantes.

Nenhum comentário: