terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Liquidificador

Existe a velha e inevitável pergunta que sempre fazem em eventos. O que o escritor escreve é autobiografia? Confesso que eu nunca entendi de onde é que vem essa ideia. Que diferença faz saber se o que o escritor escreveu aconteceu mesmo ou não quando o que realmente interessa é a qualidade do texto.
Eu pelo menos gosto de jogar tudo no liquidificador. Posso até usar pessoas que conheço ou coisas que vi acontecer. Outras horas eu meio que roubo ideias de filmes ou outros livros ou até mesmo de quadrinhos, como um conto que eu escrevi inspirada por um segmento do Watchmen (o quadrinho, não o filme). Mas quando tudo é picado e jogado no liquidificador, o que sai é pura ficção e não tem nada a ver com a minha vida, nem a vida de ninguém. E tomara que não tenha mesmo. No meu primeiro romance, há um irmão que comete suicídio. No texto que escrevo agora há um pai que dá surras nos filhos. Essas são coisas que posso garantir que nunca aconteceram na minha vida. Mesmo que você use algo que aconteceu com você é um pouco como aquele processo que os atores usam em cena. O ator lembra de algo que lhe aconteceu e que de certa forma se assemelha ao momento que ele está passando em cena. Lembrar desse momento o ajuda a trazer à tona a emoção necessária. O trabalho do escritor não é diferente disso. O ator está usando as palavras dos outros. O escritor usa as suas. E nos dois casos trata-se de usar as emoções do passado e trazê-las para o presente. E no instante em que você tira essas cenas do seu contexto original, tudo vira ficção.

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